Doutor Fausto - Thomas Mann


Doutor Fausto, do autor alemão Thomas Mann, publicado pela Companhia das Letras foi minha última leitura, quando eu o escolhi entre diversas opções o fiz por dois motivos, ele é um autor ganhador do prêmio nobel e muito bem comentado, e a sinopse do livro prometia uma boa história. Entretanto minha escolha foi infeliz, eu não estava preparada para a leitura, fui ousada e descobri ao final que as vezes é preciso mais do que disposição para a leitura de um livro clássico!

A Alemanha caminha para a transformação, conflitos inevitáveis estão em seu caminho, ao mesmo tempo em seu seio floresce Adrian Leverkühn, um compositor criador de uma música inovadora que balança as estruturas do país que está conflito com sua própria identidade. Sua história é narrada por um amigo, muito próximo e adorador deste gênio que se perdeu depois de um pacto com o demônio que lhe daria anos de vida e glória.

Observando a sinopse acreditamos que iremos conhecer um indivíduo e seu pacto demoníaco, mas o pacto é um detalhe em meio a uma avalanche de informações. Mann cria uma narrativa em primeira pessoa através de Serenus Zeitbloom, amigo de infância de Adrian que nos relata em minúcias a vida de seu idolatrado amigo, seu objetivo era velar pelo amigo, e por isso se sentia impelido de ouvir e assimilar o que Adrian ouvia e assimilava. Não só isso ele também queria que o leitor fosse testemunha das experiências espirituais do compositor. Para tanto Serenus traça uma linha do tempo onde destaca detalhes desde a infância até a morte do compositor, explicando em detalhes cada pessoa, diálogo, fato, situação e pensamento importante que este teve em sua vida e formou o caráter e personalidade de Leverkühn.

Isso torna a leitura do livro muito densa e complexa, não só na profundidade que este se propõe como também na qualidade do material apresentado. Eu não conseguia ler muito mais do que quarenta páginas ao dia tamanha energia que a leitura despendia. Mais tarde descobri que dois teóricos foram usados de apoio pelo autor, Theodor W. Adorno (filósofos, sociólogo, musicólogo e compositor alemão, expoente da Escola de Frankfurt) e Arnold Schönberg (compositor alemão criador do dodecafonismo), ambos com trabalhos bastante profundos em suas escolas e logo de difícil acesso a leigos.

Palestras sobre música com temas bastante específicos, extensas narrativas em linguagem musical, debates teológicos e até discussões políticas são algumas das situações minuciosamente escritas por Mann na narrativa. O processo de composição das obras de Adrian também são dadas. Por isso a dificuldade de uma leiga como eu em compreender a relevância de um diálogo onde notas musicais são citadas por exemplo. Alguns termos eu pude consultar meu namorado - músico, mas muita coisa ficou perdida. Acredito que a leitura de alguém com conhecimentos musicais seria de maior aproveitamento do que a minha nestes trechos.

Mas se são cansativas as descrições técnicas ao longo da narrativa, outros trechos são muito agradáveis já que em diversas partes personagens são apresentados e suas estórias de vida detalhadas. Quando se trata de seres humanos e seus conflitos Mann nos apresenta com boas tramas e personagens muito ricos.

Adrian é um homem da 'aversão', do desapego, da reserva, do afastamento. Expansividades físicas pareciam totalmente alheias a sua índole, mesmo assim Serenus acreditava que "Há pessoas com as quais não é fácil conviver, mas que jamais se podem abandonar - pg. 259". Sua salvação seria se integrar a sociedade, mas sua personalidade, e mais tarde o pacto o impediram de sua salvação que só fortaleceu o muro que existia ao seu redor, e deixou do lado de fora o amor que o mundo podia lhe dar. Coube a loucura ser seu berço final.

Zeitbloom é um filólogo humanista que tem adoração por Adrian desde sua infância. Ele abandona toda sua vida para acompanhar qualquer necessidade deste, sua vida pessoal mesmo depois de casado fica em segundo plano. Suas tensões e preocupações foram totalmente direcionadas a Leverkühn.

A lenda de Fausto é pano de fundo do pacto que Adrian realiza com o demônio. Esse pacto também é refletido na Alemanha que durante a narrativa atravessa as duas guerras mundiais. O tempo é um fator curioso no livro, o próprio Serenus destaca que trata-se de um cronologia dupla onde uma terceira se junta-se posteriormente, onde a primeira é a vida de Adrian, a segunda o momento da escrita do cronista na Alemanha de 1943/1946, e por fim a terceira o próprio leitor.

Existem livros, trabalhos acadêmicos e diversos artigos sobre Doutor Fausto tamanha riqueza e complexidade do livro. Fiquei surpresa com o fato e depois mais tranquila quanto as minhas dificuldades de leitura. Saber que a trajetória do protagonista foi inspirada na vida de ninguém menos de Nietzsche me fez compreender o tamanho do desafio que eu tinha em mãos.

O livro conta ainda em seu fim com um posfácio, Dialética Humanista em Tempos Sombrios, escrito por Jorge Almeida, doutro em filosofia e professor de teoria literária e leitura comparada. Neste trecho Almeida comenta sobre a biografia de Mann, suas obras, em especial Doutro Fausto e temas relacionados. É um ótimo texto para ampliar a compreensão do que pretendia Mann com seu livro e quem era este escritor.

Doutor Fausto é uma obra que nos exige sermos mais do que leitores, exige que sejamos apropriados de conhecimento e cultura, e se não promover total conhecimento através de suas páginas vai fazer com que o ler subir um degrau na escada de leitura. Foi uma aventura cansativa mas se você me perguntar se vale a pena e eu faria novamente eu lhe digo que sim pois Mann escondeu em suas páginas mais do que apenas uma estória de entretenimento, ele escreveu críticas ao seu país, e um convite para nos exigirmos mais como leitores e como estudantes de diversos conhecimentos.

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4 comentários:

  1. Acho que é um livro que pode acabar exigindo mesmo que seja mais que uma leitura qualquer. Tem que ter algum embalo com a cultura dele, o que está tentando passar e etc. Porque não é um livro pra ler por ler. Não sei se leria, não parece muito meu tipo de leitura preferida e talvez poderia até acabar largando sem terminar. Fica a dica pra quem quer saber mais ou gosta de livros do tipo.

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  2. Mesmo achando o tema interessante, esse tipo de obra não me faz a cabeça!
    Nunca li obras do autor também, então não posso falar muito a respeito.
    Por fim ... não leria esse livro!
    Beijos,
    Caroline Garcia
    caarol.garcia@hotmail.com

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  3. A temática me pareceu bastante interessante, mas eu confesso que sou meio difícil com leituras clássicas e tal. Não que eu desgoste inteiramente desse gênero, mas vou tentar ler

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  4. Não conhecia este livro ainda. A premissa até que me interessou. E olha que não aprecio muito este tipo de leitura. Mas se for como você diz aqui, vou dar uma chance a ele. Espero apreciar.
    Beijos.

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