Andarilhos do Bem - Carlo Ginzburg


Fazem alguns anos que conheci o historiador Carlo Ginzburg através do seu livro História Noturna, desde então tenho tentado ler suas publicações, assim quando surgiu a oportunidade de ler Andarilhos do Bem, publicado pela Companhia das Letras eu embarquei para esta viagem para Itália do passado.

O livro é resultado da pesquisa realizada por Ginzburg sobre a mentalidade de uma sociedade camponesa e suas atitudes religiosas no século XVI e XVII, abrangendo a história de um núcleo de crenças populares que diante de pressão ao longo do tempo se viu envolvida à feitiçaria.

Para alcançar seu objetivo o autor se utilizou de relatos da igreja dos casos julgados na inquisição nas regiões do norte da Itália, onde existia uma tradição friulana, os benandantis, ou andarilhos do bem. Acompanhamos de perto relatos em primeira pessoa tanto dos acusados quanto dos acusantes, assim como os julgamentos dos integrantes da igreja.

Através dos relatos a figura do camponês benandanti se define, esses indivíduos que durante épocas específicas do ano abandonam seus corpos para uma batalha noturna, onde travam uma luta contra as bruxas/feiticeiros, e quando vencem a fertilidade vence, já quando perdem o ano de colheita é ruim. Logo, o que vemos aqui não é um sabá como tentou afirmar a inquisição, mas um rito agrário. Algumas ligações com a procissão dos mortos e caçadas selvagens também são feitas, mas não há maior profundidade a respeito.

O mito do benandantis liga-se por múltiplos laços a um conjunto de tradições muito vastas que se difundiram durante quase três séculos em uma área determinada que compreendia entre a Alsácia e os Alpes Orientais.

O caso mais explorado e que conta inclusive com os processos transcritos ao final do livro são de Módico e Gasparutto que contam em detalhes o que ocorre nestes encontros, e como é ser um benandanti. É apenas benandanti aquele que nasce com o pelico, ou seja, envolvido na membrana plasmática, e guarda essa membrana consigo. Quando adolescente ele é chamado a combater durante a noite, e diante disso surgem diversas histórias sobre as saídas do corpo, que vão desde espíritos que se perdem até encontros com o diabo.

Acompanhando a linha do tempo é perceptível que eles deixaram de ser os defensores da terra e tornaram-se uma ameaça para os que viviam em sua proximidade, já que um dos talentos destas pessoas é reconhecer enfeitiçados e os responsáveis pelos mesmos. Logo quando eles passaram a denunciar as pessoas as discórdias começaram nos pequenos vilarejos. Pois imaginem que eles começam a cobrar para tirar o feitiço das pessoas, e os indivíduos pobres não podiam pagar, mas estes que não podiam pagar começam a ver os benandantis como pessoas non gratas, a partir desse momento cresce o número de denúncias que surgem a partir de picuinhas particulares e não da realidade.

Ao mesmo tempo podemos perceber que diante da pressão a estas pessoas que se diziam combatendo o mal para Deus, a igreja se viu de mãos atadas, já que a figura do diabo ou a negação de Cristo era rara nos discursos. Poucos foram os casos citados que terminaram em morte, com o tempo o que surgiu foi um desinteresse da igreja. Não sei se foi um caso a parte, mas o que ficou foi a impressão que a inquisição nestas regiões foi menos severa do que nos demais locais da Europa.

Em alguns discursos o lado das bruxas é relatado, naquela velha versão de comedora crianças e que espalha a peste pelos locais, mas não ficou claro se de fato era algo que viam ou era apenas o medo tomando forma diante do escuro. O fato é que os benandantis não eram vistos como bruxas, se consideram como uma categoria a parte.


Andarilhos do bem é um livro denso porque não tem uma narrativa fluída, já que é uma sucessão de relatos e documentos históricos, mas trabalha com a crença e realidade dos indivíduos que viveram nestas épocas. Sem ser tendencioso, Carlo consegue explicar que seja através de supertição ou religião o que todos eles queriam era sobreviver. 







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3 comentários:

  1. Gostei da sua resenha e achei muito interessante a forma como vc apresentou o livro. Relatos diversos em várias épocas às vezes torna-se cansativo, por isso não sei se gostarei do livro, mas para isso, primeiro terei que ler, não é mesmo?

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  2. Achei interessante a abordagem, mas confesso que não sou do tipo leitora que lê essa obra.
    Não gosto muito desse estilo e por isso não compraria esse livro rs
    Gostei de como relatou o tema, parabéns pela resenha.
    Beijos,
    Caroline Garcia
    caarol.garcia@hotmail.com

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  3. Conheço esse de História Noturna, mas esse aí não tinha visto. O tema me parece interessante. Gosto de ver/ler coisas desses tempos, o que a religião afetou nas pessoas, os mitos de feitiçaria e todo aquele fanatismo e etc. Achei interessante ter um livro que aborda coisas assim, deve ser bom de ler pra entender esses tempos.

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