Em “A Joia”,
somos apresentados a um cenário distópico bastante cruel e de tirar o fôlego. A
Cidade Solitária é onde tudo acontece, dividida em cinco círculos com nomes
relacionados à suas atividades, vamos conhecer a hierarquia que separa os
indivíduos que moram em cada um destes locais e quais são as suas importâncias
no sistema da sociedade em que vivem.
No centro de
tudo, há o círculo mais interno e também o coração da cidade, é onde vive a
nobreza, que são ricos, mais poderosos e donos de tudo, inclusive de pessoas. É
um mundo de luxo e glamour, onde tudo é do bom e do melhor, e também a parte
mais mesquinha e perigosa, afinal as mulheres de lá fazem de tudo para
conseguir o que querem, passando por cima de todos e qualquer coisa sem nenhum
tipo de remorso.
O segundo
círculo é o Banco, onde as pessoas vivem em condições não tão ruins quanto os
inferiores, mas não tão boas em relação à realeza do primeiro círculo, é lá que
ficam os bancos e comércios mais importantes. O próximo círculo é a Fumaça,
onde ficam as fábricas, seguido pela Fazenda, onde toda a comida é cultivada.
E, para finalizar, há o Pântano, a parte mais pobre e afastada da Cidade
Solitária, onde não existem atividades importantes, pois o local serve para
abrigar os operários que trabalham nos demais círculos.
E é neste
último que vamos conhecer nossa protagonista, Violet Lasting, uma adolescente
de apenas dezesseis que é uma Substituta, ou seja, tem a capacidade de dar à
luz, fato que não ocorre com nenhuma das mulheres da nobreza por motivos
inexplicáveis, pois os únicos bebês que nascem estão condenados ou então
mortos. Somente as meninas mais pobres conseguem gerar filhos saudáveis e,
portanto, são valiosas para os moradores da Joia, que pretendem manter o sangue
real.
As
Substitutas, além de terem a capacidade de engravidar, possuem dons especiais
denominados presságios. Então, quando “diagnosticadas” como tal, são levadas
para orfanatos para aprenderem a desenvolver, controlar e aperfeiçoar suas
habilidades para sempre se tornarem melhores. Para muitas pessoas, ser uma
Substituta é uma dádiva, afinal a menina é retirada da parte mais pobre da
cidade, levada para estes internatos por anos para serem treinadas e têm acesso
a coisas que não teriam se não fosse por isso, como roupas boas, comidas e
bebidas em abundância, recebem educação, sempre têm eletricidade e não precisam
trabalhar. Elas só não têm direito a uma coisa, que deveria ser a mais
importante de todas: liberdade.
Quando
chegam a uma idade suficiente, estas garotas são leiloadas e deixam suas
identidades para trás. Quanto maiores suas notas no aprendizado e
aperfeiçoamento dos Presságios, mais alto o número da Substituta no leilão e
mais disputada ela será no momento da venda, pois estes dons podem trazer
melhor aparência, habilidades sociais e inteligência para o feto que vão gerar.
Violet nunca
se conformou com a perda de sua liberdade, de sua identidade e a forma como ela
não pode escolher entre gerar ou não o filho de uma outra mulher, já que elas
não possuem livre arbítrio e a pena por contrariar o sistema é a morte. Mas, só
depois que ela é vendida, é que vê como as coisas são ainda piores que havia
sequer imaginado, pois agora ela percebe que a beleza do local oculta toda a
crueldade ali existente e o perigo de morte é ainda mais iminente do que
continuar viva.
Num mundo de
intrigas, jogos políticos, psicológicos e de poder, onde a inveja, a traição e
as competições reinam, conseguir sobreviver e ainda escapar disto tudo parece
impossível. Mas talvez haja uma pequena fagulha de esperança. Resta saber se o
caminho torto que Violet decidiu seguir é o correto ou se tudo o que fez vai
acabar indo por água abaixo.
Já li
diversas distopias voltadas para o público jovem adulto, com suas crueldades e
forma de governo, mas no meu ponto de vista a autora conseguiu inovar,
colocando um enredo com suas particularidades bem diferentes das demais, apesar
de também ter bastante coisa semelhante. Confesso que estava esperando um pouco
mais deste livro e pensei que iria entrar para minha lista de favoritos. Isto
não aconteceu, mas felizmente gostei bastante da leitura.
Violet é uma
pessoa forte e diria bastante paciente, além de ter certos momentos de rebeldia
e algumas atitudes ingênuas provenientes da idade. Ela fica indignada com as condições
humilhantes e abusivas que ela e as outras substitutas precisam enfrentar, mas
sabe lidar com o fato de ter que agir com inteligência e perseverança caso
queira mudar algo e não fazer tudo de forma imprudente ou sem refletir direito
primeiro. Achei interessante o fato de Violet pensar em outras pessoas e não
apenas em si própria, e mais ainda de ter conseguido manter um segredo
importante (por um tempo grande pelo menos) que poderia ter posto tudo a perder
se ela tivesse confiado na pessoa errada.
Amy Ewing
criou uma distopia original e tão crível que é fácil imaginar que este cenário
aterrorizante poderia de fato existir se a possibilidade surgisse. Ela também
misturou elementos de fantasia e magia, diferenciando ainda mais sua história,
já que a grande maioria de distopias deste estilo não tem nada de sobrenatural
envolvido.
A autora
optou por enfatizar bastante a crueldade do ser humano, principalmente com
relação aos que eles consideram “inferiores”, já que são mais pobres. E nos
mostra com mais frieza o que as pessoas fazem quando há bastante dinheiro ou
poder envolvido, tanto para conquistar status e fama, ou apenas para mostrar
que é melhor do que os demais só porque nasceu com melhores condições financeiras.
O que foi mostrado no livro é terrível e, o pior, é que acaba sendo um retrato
fiel de parte da nossa sociedade, que ainda faz qualquer coisa para se manter
superior. A forma como a autora apresenta esta crueldade seria chocante se eu
já não esperasse que o ser humano pudesse agir tão terrivelmente assim.
Mas as
barbaridades mais intensas acabaram não sendo devidamente apresentadas, já que
Violet teve bastante sorte com a sua compradora, a Duquesa do Lago, que provavelmente era a menos “malvada”
de todo o livro. Acredito que a Amy escolheu seguir por este caminho, só
comentando fatos ruins acontecendo com terceiros, para não chocar muito os
leitores, mas isto também acabou não permitindo que nossas emoções fossem
exploradas o máximo que poderiam ter sido. Ou seja, senti como se a
protagonista fosse mais uma coadjuvante com relação às partes mais importantes
da trama, já que ela sabia das coisas, mas não as vivenciava de maneira
integral.
A partir do
momento em que são vendidas, as garotas passam a ser propriedade da mulher que
a comprou, deixando seus passados e identidades para trás. Ou seja, elas não
possuem mais nome, cidade, família ou amigos, e muito menos dignidade, passando
até a ser desumanizadas, e só estão ali para servir de “barriga de aluguel” e
utilizar seus dons especiais para ajudar suas donas e também a melhorar o feto.
Além disso, são tratadas como cachorros por donos que não gostam de animais,
com direito a coleiras, humilhação e grosseria, e elas são proibidas de falar,
se manifestar ou fazer qualquer coisa diferente ou que desobedeça as ordens de
suas donas, porque as consequências caso o façam são simplesmente horríveis. E
depois são descartadas da mesma forma como fazem com restos de comidas depois
de serem consumidas.
A escritora soube
nos inserir muito bem na sociedade em que criou, nos introduzindo ao local e em
como tudo funciona, inclusive a divisão de classes, desde o Pântano até chegar
à Joia. Então acompanhamos o final da preparação das meninas para serem
leiloadas, e Violet ainda comenta como foi viver ali no internato naqueles
últimos anos e o que aconteceu de importante, e também nos apresenta um pouco
de sua vida quando ainda vivia com sua família, antes de chegar ali e se tornar
uma Substituta em treinamento. Depois podemos ver de perto como funciona a Joia,
a hierarquia e a política do local, e cada camada da forma como vivem e o que
as garotas enfrentam.
Achei mais
do que interessante que a escritora tenha optado por focar o poder que controla
a sociedade nas mãos das mulheres, deixando a maioria dos homens com papéis
pequenos ou de segundo plano no foco deste volume.
O romance
presente na história é até legal e fofo, mas para mim soou um pouco forçado a
existência dele, ou melhor, a forma como foi iniciado. Violet conhece Ash, um
acompanhante contratado pela Duquesa para sua sobrinha, por acaso e eles logo
se envolvem. Os dois se entendem por ambos terem pobreza em seus passados e por
serem nada mais do que produtos nas mãos dos ricos. O relacionamento amoroso
entre eles não me convenceu totalmente. Começou de forma sem graça e depois os
sentimentos entre eles se afloraram rápido demais, mas com emoção de menos.
Fui
surpreendida com a revelação de que um personagem em especial não era
exatamente aquilo que aparentava ser e gosto quando isto acontece. Espero ver
melhor estas camadas escondidas dele no próximo volume, o que eu realmente acho
que vai acontecer, então já fiquei empolgada.
A capa é
realmente deslumbrante e foi a primeiríssima coisa que chamou minha atenção
quando soube deste lançamento da Editora Leya. A diagramação interna está bem
satisfatória, com fonte e espaçamentos confortáveis para uma leitura agradável
e as páginas são amarelas.
A obra acaba
com um cliffhanger daqueles, ou seja, a gente precisa urgentemente da continuação
para saber o que vai acontecer. E ficamos ansiosos e cheios de expectativas para
ler o segundo volume da trilogia, que tem previsão de lançamento para outubro
deste ano lá fora.
Se você é
daqueles que adoram uma boa distopia voltada para o público jovem adulto, com
uma protagonista forte, personagens encantadores, um cenário muito bem
construído e muitas reviravoltas, indico esta trilogia de Amy Ewing.
Avaliação