A Joia - A Cidade Solitária #01 - Amy Ewing

Em “A Joia”, somos apresentados a um cenário distópico bastante cruel e de tirar o fôlego. A Cidade Solitária é onde tudo acontece, dividida em cinco círculos com nomes relacionados à suas atividades, vamos conhecer a hierarquia que separa os indivíduos que moram em cada um destes locais e quais são as suas importâncias no sistema da sociedade em que vivem.
No centro de tudo, há o círculo mais interno e também o coração da cidade, é onde vive a nobreza, que são ricos, mais poderosos e donos de tudo, inclusive de pessoas. É um mundo de luxo e glamour, onde tudo é do bom e do melhor, e também a parte mais mesquinha e perigosa, afinal as mulheres de lá fazem de tudo para conseguir o que querem, passando por cima de todos e qualquer coisa sem nenhum tipo de remorso.
O segundo círculo é o Banco, onde as pessoas vivem em condições não tão ruins quanto os inferiores, mas não tão boas em relação à realeza do primeiro círculo, é lá que ficam os bancos e comércios mais importantes. O próximo círculo é a Fumaça, onde ficam as fábricas, seguido pela Fazenda, onde toda a comida é cultivada. E, para finalizar, há o Pântano, a parte mais pobre e afastada da Cidade Solitária, onde não existem atividades importantes, pois o local serve para abrigar os operários que trabalham nos demais círculos.
E é neste último que vamos conhecer nossa protagonista, Violet Lasting, uma adolescente de apenas dezesseis que é uma Substituta, ou seja, tem a capacidade de dar à luz, fato que não ocorre com nenhuma das mulheres da nobreza por motivos inexplicáveis, pois os únicos bebês que nascem estão condenados ou então mortos. Somente as meninas mais pobres conseguem gerar filhos saudáveis e, portanto, são valiosas para os moradores da Joia, que pretendem manter o sangue real.
As Substitutas, além de terem a capacidade de engravidar, possuem dons especiais denominados presságios. Então, quando “diagnosticadas” como tal, são levadas para orfanatos para aprenderem a desenvolver, controlar e aperfeiçoar suas habilidades para sempre se tornarem melhores. Para muitas pessoas, ser uma Substituta é uma dádiva, afinal a menina é retirada da parte mais pobre da cidade, levada para estes internatos por anos para serem treinadas e têm acesso a coisas que não teriam se não fosse por isso, como roupas boas, comidas e bebidas em abundância, recebem educação, sempre têm eletricidade e não precisam trabalhar. Elas só não têm direito a uma coisa, que deveria ser a mais importante de todas: liberdade.
Quando chegam a uma idade suficiente, estas garotas são leiloadas e deixam suas identidades para trás. Quanto maiores suas notas no aprendizado e aperfeiçoamento dos Presságios, mais alto o número da Substituta no leilão e mais disputada ela será no momento da venda, pois estes dons podem trazer melhor aparência, habilidades sociais e inteligência para o feto que vão gerar.
Violet nunca se conformou com a perda de sua liberdade, de sua identidade e a forma como ela não pode escolher entre gerar ou não o filho de uma outra mulher, já que elas não possuem livre arbítrio e a pena por contrariar o sistema é a morte. Mas, só depois que ela é vendida, é que vê como as coisas são ainda piores que havia sequer imaginado, pois agora ela percebe que a beleza do local oculta toda a crueldade ali existente e o perigo de morte é ainda mais iminente do que continuar viva.
Num mundo de intrigas, jogos políticos, psicológicos e de poder, onde a inveja, a traição e as competições reinam, conseguir sobreviver e ainda escapar disto tudo parece impossível. Mas talvez haja uma pequena fagulha de esperança. Resta saber se o caminho torto que Violet decidiu seguir é o correto ou se tudo o que fez vai acabar indo por água abaixo.
Já li diversas distopias voltadas para o público jovem adulto, com suas crueldades e forma de governo, mas no meu ponto de vista a autora conseguiu inovar, colocando um enredo com suas particularidades bem diferentes das demais, apesar de também ter bastante coisa semelhante. Confesso que estava esperando um pouco mais deste livro e pensei que iria entrar para minha lista de favoritos. Isto não aconteceu, mas felizmente gostei bastante da leitura.
Violet é uma pessoa forte e diria bastante paciente, além de ter certos momentos de rebeldia e algumas atitudes ingênuas provenientes da idade. Ela fica indignada com as condições humilhantes e abusivas que ela e as outras substitutas precisam enfrentar, mas sabe lidar com o fato de ter que agir com inteligência e perseverança caso queira mudar algo e não fazer tudo de forma imprudente ou sem refletir direito primeiro. Achei interessante o fato de Violet pensar em outras pessoas e não apenas em si própria, e mais ainda de ter conseguido manter um segredo importante (por um tempo grande pelo menos) que poderia ter posto tudo a perder se ela tivesse confiado na pessoa errada.
Amy Ewing criou uma distopia original e tão crível que é fácil imaginar que este cenário aterrorizante poderia de fato existir se a possibilidade surgisse. Ela também misturou elementos de fantasia e magia, diferenciando ainda mais sua história, já que a grande maioria de distopias deste estilo não tem nada de sobrenatural envolvido.
A autora optou por enfatizar bastante a crueldade do ser humano, principalmente com relação aos que eles consideram “inferiores”, já que são mais pobres. E nos mostra com mais frieza o que as pessoas fazem quando há bastante dinheiro ou poder envolvido, tanto para conquistar status e fama, ou apenas para mostrar que é melhor do que os demais só porque nasceu com melhores condições financeiras. O que foi mostrado no livro é terrível e, o pior, é que acaba sendo um retrato fiel de parte da nossa sociedade, que ainda faz qualquer coisa para se manter superior. A forma como a autora apresenta esta crueldade seria chocante se eu já não esperasse que o ser humano pudesse agir tão terrivelmente assim.
Mas as barbaridades mais intensas acabaram não sendo devidamente apresentadas, já que Violet teve bastante sorte com a sua compradora, a Duquesa do Lago, que provavelmente era a menos “malvada” de todo o livro. Acredito que a Amy escolheu seguir por este caminho, só comentando fatos ruins acontecendo com terceiros, para não chocar muito os leitores, mas isto também acabou não permitindo que nossas emoções fossem exploradas o máximo que poderiam ter sido. Ou seja, senti como se a protagonista fosse mais uma coadjuvante com relação às partes mais importantes da trama, já que ela sabia das coisas, mas não as vivenciava de maneira integral.
A partir do momento em que são vendidas, as garotas passam a ser propriedade da mulher que a comprou, deixando seus passados e identidades para trás. Ou seja, elas não possuem mais nome, cidade, família ou amigos, e muito menos dignidade, passando até a ser desumanizadas, e só estão ali para servir de “barriga de aluguel” e utilizar seus dons especiais para ajudar suas donas e também a melhorar o feto. Além disso, são tratadas como cachorros por donos que não gostam de animais, com direito a coleiras, humilhação e grosseria, e elas são proibidas de falar, se manifestar ou fazer qualquer coisa diferente ou que desobedeça as ordens de suas donas, porque as consequências caso o façam são simplesmente horríveis. E depois são descartadas da mesma forma como fazem com restos de comidas depois de serem consumidas.
A escritora soube nos inserir muito bem na sociedade em que criou, nos introduzindo ao local e em como tudo funciona, inclusive a divisão de classes, desde o Pântano até chegar à Joia. Então acompanhamos o final da preparação das meninas para serem leiloadas, e Violet ainda comenta como foi viver ali no internato naqueles últimos anos e o que aconteceu de importante, e também nos apresenta um pouco de sua vida quando ainda vivia com sua família, antes de chegar ali e se tornar uma Substituta em treinamento. Depois podemos ver de perto como funciona a Joia, a hierarquia e a política do local, e cada camada da forma como vivem e o que as garotas enfrentam.
Achei mais do que interessante que a escritora tenha optado por focar o poder que controla a sociedade nas mãos das mulheres, deixando a maioria dos homens com papéis pequenos ou de segundo plano no foco deste volume.
O romance presente na história é até legal e fofo, mas para mim soou um pouco forçado a existência dele, ou melhor, a forma como foi iniciado. Violet conhece Ash, um acompanhante contratado pela Duquesa para sua sobrinha, por acaso e eles logo se envolvem. Os dois se entendem por ambos terem pobreza em seus passados e por serem nada mais do que produtos nas mãos dos ricos. O relacionamento amoroso entre eles não me convenceu totalmente. Começou de forma sem graça e depois os sentimentos entre eles se afloraram rápido demais, mas com emoção de menos.
Fui surpreendida com a revelação de que um personagem em especial não era exatamente aquilo que aparentava ser e gosto quando isto acontece. Espero ver melhor estas camadas escondidas dele no próximo volume, o que eu realmente acho que vai acontecer, então já fiquei empolgada.
A capa é realmente deslumbrante e foi a primeiríssima coisa que chamou minha atenção quando soube deste lançamento da Editora Leya. A diagramação interna está bem satisfatória, com fonte e espaçamentos confortáveis para uma leitura agradável e as páginas são amarelas.
A obra acaba com um cliffhanger daqueles, ou seja, a gente precisa urgentemente da continuação para saber o que vai acontecer. E ficamos ansiosos e cheios de expectativas para ler o segundo volume da trilogia, que tem previsão de lançamento para outubro deste ano lá fora.
Se você é daqueles que adoram uma boa distopia voltada para o público jovem adulto, com uma protagonista forte, personagens encantadores, um cenário muito bem construído e muitas reviravoltas, indico esta trilogia de Amy Ewing.
Avaliação



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