Criatividade é a peça mais
importante na criação de uma fantasia, seja ela baseada em nossa realidade,
seja criada a partir de devaneios. Desenvolve-la requer um conjunto de
referências recolhidas ao longo da vida e não são todas as pessoas que
conseguem articulá-las bem. Sorte a minha que pude conhecer uma obra onde os
pedacinhos se encaixam bem, formando uma figura bem original. Cerberus - Entre
Cobras e Ursos, primeiro volume da série, escrito pelo autor Leonardo Monte, e publicado
pela editora Literata é a obra!
No futuro as coisas não deram
certo, algo aconteceu e o mundo caiu em ruínas repletas de criaturas que
emergiram das profundezas para assombrar os humanos que se tornaram raros. A
tecnologia se foi, e uma nova era medieval veio a tona. Assim os que sobraram
seguiram em frente organizados em vilas. Agora a fé cristã voltou ao centro
como arma, e academias de caçadores são única resposta ao ataque destas criaturas
que tentam tomar para si tudo que encontram.
Um grupo de estudantes de uma
destas academias, a Cerberus, localizada no Brasil, se vê envolvida em mais do
que aprender a serem bons caçadores e sobreviverem aos extraplanares. Eles
devem encontrar a fé perdida, a maturidade ainda não desenvolvida e mais que
isso ver por trás das aparências em um aparente crime sem explicações. Será que
jovens tão novos conseguirão sobreviver a tanto?
Talvez soe clichê a ideia de
adolescentes em uma escola, mas tirando a ideia de séries, estudos e coisas
genéricas do tema, você não vai encontrar aqui boa parte dos mimis adolescentes
dos livros que exploram o high school. Renan (Corso), Caio (Armeiro), João
Pequeno (Cão de Guerra), Mônica (Artilheira), Ilian (Corso meio vampiro) e
Sebastian (Padre/ Médico) tem cerca de doze anos e já tem que lidar com temas e
práticas de adultos, onde matar não deve ser um problema.
A narrativa de Monte flui com um
ritmo bom sem que os detalhes se percam ou se demorem. É feita de forma
alternada entre primeira pessoa (destacada em itálico), narrada pelo personagem
principal Renan, e em terceira pessoa sob diversos pontos de vista, mas em
especial o de Renan. Os capítulos são curtos e com desfechos rápidos, a ação
não demora a acontecer. O passado dos personagens é bem explorado, e explica
muito a cerca de suas personalidades. O único problema que encontrei foi com a
revisão, diversos erros surgiram, em especial de parágrafo, separação e junção
de palavras.
A mitologia criada é bem variada.
O autor divide por exemplo, os vampiros em duas categorias, Mordecai e Calabam.
Isso faz com que os já conhecidos seres sejam criaturas que vão um pouco além
das suas características comuns. Bruxas e fantasmas aparecem de forma um pouco
mais tradicionais. Enquanto os lobisomens são apenas citados. Os grandes
personagens e vilões mesmo são os demônios que justificam a grande exploração da
tradição cristã, que aparece um pouco mais abrangente do que seria na nossa
Idade Média.
Os garotos são todos do terceiro
ano, em uma escola que dura oito anos. Já escolheram as funções que querem
exercer quando formarem seu bando, mas ainda sofrem de dúvidas quanto as
suas capacidades dentro de suas escolhas. A maturidade e certeza da escolha veio
quando são colocados diante do perigo, onde a luta tornou-se uma questão de
sobrevivência. O crescimento destes é bem evidente, mas a inocência ainda
existe até o fim do livro. Se eles tivessem um pouco mais de malícia não teriam
sofrido da mesma maneira.
Outro grupo de jovens, mas do
oitavo ano, que se auto intitulam Ursos Vermelhos, são um grupo secundário e
fundamental na história. São ao mesmo tempo inspiração e professores aos mais
novos, que no fim ajudam tanto quanto os mais velhos. Suas personalidades foram
exploradas, mas suas histórias pessoais não.
As cenas de luta, guerra e sangue
são bem colocadas e Leonardo não nos poupa de nenhum detalhes. Algumas cenas
são um tanto nojentas, mas são breves e eu consegui sobreviver sem escoriações
rs! E em meio a tanta violência e sangue o autor ainda conseguiu colocar umas
pitadinhas de romance, sem soar chato.
A história por trás de toda trama
é inteligente e se desenvolve de forma silenciosa mas precisa. Não consegui
desconfiar de muita coisa até que as máscaras caíssem. Existe política e poder
envolvidos nos conflitos, e em meio ao caos existe muito mais do que
sobreviver. A natureza humana como já nos dá dicas todos os dias consegue
aflorar de maneira surpreendentemente negativa mesmo quando precisa mudar.
Cerberus - Entre Cobras e Ursos é
uma fantasia genuína e criativa que se passa no Brasil, mas que soa como
universal. Nos permite viajar no tempo e nos colocar diante do dilema do que
faríamos se tudo que conhecemos mudasse, tentaríamos sobreviver ou iríamos atrás de poder?
Valorizaríamos a amizade ou o próprio ego? Afinal o que escondemos quando as
sombras surgem?
P.s o segundo volume da série,
Cerberus - O Diabo Pede Carona já foi publicado, e me aguarda na estante para
mais uma viagem ao caos demoníaco na Terra.