Parafusos – Mania, Depressão, Michelangelo e Eu – Ellen Forney

Prestes a completar 30 anos, depois de um período de euforia duradoura que não podia mais ser considerada “animação”, Ellen Forney foi a uma psiquiatra, que a diagnosticou com transtorno bipolar. Sua vida, então, sofreu um baque, porque ela precisaria lidar com medicamentos que poderiam fazê-la mudar totalmente e perder uma parte muito importante de sua vida, a arte.
Esta mulher admirável, dona de uma personalidade forte e marcante, deu início a uma luta intensa, na busca do equilíbrio mental e da verdade a respeito da grande pergunta: ela havia sido abençoada ou amaldiçoada com este transtorno de humor?
Este foi um grande ano de leituras para mim, já que me abri para mais possibilidades por fora da minha zona de conforto e tive diversas experiências novas, com tipos de livros que não havia lido antes. E fico feliz de ter começado a viver esta fase, porque abriu muitas portas literárias em minha vida e tive momentos ótimos com obras incríveis que poderia não ter conhecido. Um destes livros dos quais gostei muito e que não tinha lido algo parecido antes, é este, “Parafusos”, que é uma autobiografia de um período difícil na vida da autora, apresentada em forma de quadrinhos, que ainda me fez compreender mais a bipolaridade. E agora eu vou contar para vocês os motivos de ter curtido tanto.
A leitura é interessantíssima, e este fato fica ainda mais evidente por conta da escrita excepcional da autora, que conseguiu transmitir seus sentimentos, sua angústia e tristeza de uma maneira tão intensa e real, ao mesmo tempo em que alterna momentos engraçados e esperançosos, que é impossível não se sentir tocado por sua situação e não torcer pela sua melhora.
Uma das grandes questões que Ellen ficava receosa desde o momento que soube do seu diagnóstico, e que durou por bastante tempo durante seu tratamento inicial, é a relação entre criatividade e bipolaridade. O quanto estas duas coisas podem estar interligadas, se o tratamento com remédios traria alguma consequência negativa nesta área, que é uma das mais importantes de sua vida, afinal, ela vive de sua criatividade, tanto no modo intelectual, quanto na questão de seu ganha pão, já que é a parte mais essencial de sua profissão. Inclusive há trechos em que ela cita vários artistas bipolares ou que foram diagnosticados com outras manias, e pesquisa bastante a respeito do assunto. Gostei de acompanhá-la neste processo de descobrir o que ia ser igual e o que mudaria, e também curti a conclusão à qual ela chegou posteriormente.
Uma das coisas mais legais desta obra é justamente o seu formato, em quadrinhos, pois as ilustrações são um complemento mais do que perfeito para as palavras, porque conseguiram dar um peso maior nos momentos em que precisava disto, e aliviar as tensões nas situações em que elas eram realmente mais leves. Além de nos fazer visualizar as palavras em ação, o que acaba fazendo com que a gente consiga entender ainda melhor tudo o que se passa na cabeça de Forney. Então texto e imagens se completam, dando mais sentido e leveza ao relato da escritora sobre um momento de extrema importância em sua vida.
As ilustrações de Ellen são bem reais e detalhadas, ao mesmo tempo em que são simples e ousadas. Ela tem um tipo de traço, que eu acho que deve ser o que mais utiliza em suas obras, mas também cria outros tipos de desenhos, bem diferentes, para expressar novos momentos, o que está sentindo em determinada situação ou período, e achei isto fantástico porque dava para identificar ainda mais os seus problemas e sensações.
Outra coisa que achei bem bacana é que Forney sempre coloca legendas ou comentários nas ilustrações por fora da narrativa principal, e que também ajudam a nos situar melhor naquilo tudo, além de, algumas vezes, serem bem divertidas e, nas outras, muito explicativas.
Talvez possa parecer que este livro faça parte do gênero autoajuda, mas está longe disso. É, na verdade, um tipo de relato de experiências de vida. Vida real com todas as suas nuances e altos e baixos. É uma conversa, um desabafo, uma, talvez, troca de experiências entre escritora e leitor, entre alguém que já passou por isso e aqueles que talvez vão passar ou conhecer alguém nesta situação, e como a bipolaridade afeta uma pessoa e aqueles ao seu redor, apresentados num tom casual, emocionante e profundo. É mais como se o estilo fosse uma “ficção da vida real”, já que, mesmo tendo bases reais, não dá dicas do que ou como fazer para passar por isso. Ellen só nos conta, de peito aberto, se expondo sem medo de julgamentos, como foi vivenciar tudo aquilo, desde o tratamento inicial, que demorou anos, até ela encontrar os medicamentos certos para se sentir mais equilibrada sem perder sua essência.
Não é à toa que esta ‘memória em quadrinhos’ tenha entrado para a lista dos mais vendidos do "New York Times" e ainda tenha sido apontada como um dos quadrinhos do ano pelo jornal "Washington Post".
A WMF Martins fontes está, mais uma vez, de parabéns pelo seu trabalho com este lançamento incrível. Além de o assunto ser atraente e Ellen uma ótima escritora, esta edição está linda. A capa original foi mantida e eu gosto muito dela por conta da ilustração e do jogo de cores, que, se você para pensar sobre, vai perceber que tem muito a ver com o conteúdo. As páginas internas apresentam ilustrações em preto e branco, e as folhas são amareladas e grossas. Gostei da fonte escolhida e os espaçamentos estão confortáveis. A única coisa negativa que eu tenho para dizer é que este volume não possui orelhas e eu realmente não gosto disso, porque amassa as pontas do livro, o que me incomoda profundamente.

A história de Ellen é um misto de dualidades que se completam: leve e intensa, feia e bonita, crua e pessoal, triste e engraçada, deprimente e esperançosa, literária e real. Seu relato é honesto e comovente e a leitura desta obra com certeza vai te fazer sentir alguma coisa. Mais do que recomendado!
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