Prestes a
completar 30 anos, depois de um período de euforia duradoura que não podia mais
ser considerada “animação”, Ellen Forney foi a uma psiquiatra, que a
diagnosticou com transtorno bipolar. Sua vida, então, sofreu um baque, porque
ela precisaria lidar com medicamentos que poderiam fazê-la mudar totalmente e perder
uma parte muito importante de sua vida, a arte.
Esta mulher
admirável, dona de uma personalidade forte e marcante, deu início a uma luta
intensa, na busca do equilíbrio mental e da verdade a respeito da grande
pergunta: ela havia sido abençoada ou amaldiçoada com este transtorno de humor?
Este foi um
grande ano de leituras para mim, já que me abri para mais possibilidades por
fora da minha zona de conforto e tive diversas experiências novas, com tipos de
livros que não havia lido antes. E fico feliz de ter começado a viver esta
fase, porque abriu muitas portas literárias em minha vida e tive momentos
ótimos com obras incríveis que poderia não ter conhecido. Um destes livros dos
quais gostei muito e que não tinha lido algo parecido antes, é este,
“Parafusos”, que é uma autobiografia de um período difícil na vida da autora,
apresentada em forma de quadrinhos, que ainda me fez compreender mais a
bipolaridade. E agora eu vou contar para vocês os motivos de ter curtido tanto.
A leitura é
interessantíssima, e este fato fica ainda mais evidente por conta da escrita
excepcional da autora, que conseguiu transmitir seus sentimentos, sua angústia
e tristeza de uma maneira tão intensa e real, ao mesmo tempo em que alterna
momentos engraçados e esperançosos, que é impossível não se sentir tocado por
sua situação e não torcer pela sua melhora.
Uma das
grandes questões que Ellen ficava receosa desde o momento que soube do seu
diagnóstico, e que durou por bastante tempo durante seu tratamento inicial, é a
relação entre criatividade e bipolaridade. O quanto estas duas coisas podem
estar interligadas, se o tratamento com remédios traria alguma consequência
negativa nesta área, que é uma das mais importantes de sua vida, afinal, ela
vive de sua criatividade, tanto no modo intelectual, quanto na questão de seu
ganha pão, já que é a parte mais essencial de sua profissão. Inclusive há
trechos em que ela cita vários artistas bipolares ou que foram diagnosticados
com outras manias, e pesquisa bastante a respeito do assunto. Gostei de
acompanhá-la neste processo de descobrir o que ia ser igual e o que mudaria, e
também curti a conclusão à qual ela chegou posteriormente.
Uma das
coisas mais legais desta obra é justamente o seu formato, em quadrinhos, pois
as ilustrações são um complemento mais do que perfeito para as palavras, porque
conseguiram dar um peso maior nos momentos em que precisava disto, e aliviar as
tensões nas situações em que elas eram realmente mais leves. Além de nos fazer
visualizar as palavras em ação, o que acaba fazendo com que a gente consiga
entender ainda melhor tudo o que se passa na cabeça de Forney. Então texto e
imagens se completam, dando mais sentido e leveza ao relato da escritora sobre
um momento de extrema importância em sua vida.
As
ilustrações de Ellen são bem reais e detalhadas, ao mesmo tempo em que são
simples e ousadas. Ela tem um tipo de traço, que eu acho que deve ser o que
mais utiliza em suas obras, mas também cria outros tipos de desenhos, bem
diferentes, para expressar novos momentos, o que está sentindo em determinada
situação ou período, e achei isto fantástico porque dava para identificar ainda
mais os seus problemas e sensações.
Outra coisa
que achei bem bacana é que Forney sempre coloca legendas ou comentários nas
ilustrações por fora da narrativa principal, e que também ajudam a nos situar
melhor naquilo tudo, além de, algumas vezes, serem bem divertidas e, nas
outras, muito explicativas.
Talvez possa
parecer que este livro faça parte do gênero autoajuda, mas está longe disso. É,
na verdade, um tipo de relato de experiências de vida. Vida real com todas as
suas nuances e altos e baixos. É uma conversa, um desabafo, uma, talvez, troca
de experiências entre escritora e leitor, entre alguém que já passou por isso e
aqueles que talvez vão passar ou conhecer alguém nesta situação, e como a
bipolaridade afeta uma pessoa e aqueles ao seu redor, apresentados num tom
casual, emocionante e profundo. É mais como se o estilo fosse uma “ficção da
vida real”, já que, mesmo tendo bases reais, não dá dicas do que ou como fazer
para passar por isso. Ellen só nos conta, de peito aberto, se expondo sem medo
de julgamentos, como foi vivenciar tudo aquilo, desde o tratamento inicial, que
demorou anos, até ela encontrar os medicamentos certos para se sentir mais
equilibrada sem perder sua essência.
Não é à toa
que esta ‘memória em quadrinhos’ tenha entrado para a lista dos mais vendidos
do "New York Times" e ainda tenha sido apontada como um dos
quadrinhos do ano pelo jornal "Washington Post".
A WMF
Martins fontes está, mais uma vez, de parabéns pelo seu trabalho com este
lançamento incrível. Além de o assunto ser atraente e Ellen uma ótima
escritora, esta edição está linda. A capa original foi mantida e eu gosto muito
dela por conta da ilustração e do jogo de cores, que, se você para pensar
sobre, vai perceber que tem muito a ver com o conteúdo. As páginas internas apresentam
ilustrações em preto e branco, e as folhas são amareladas e grossas. Gostei da
fonte escolhida e os espaçamentos estão confortáveis. A única coisa negativa
que eu tenho para dizer é que este volume não possui orelhas e eu realmente não
gosto disso, porque amassa as pontas do livro, o que me incomoda profundamente.
A história de Ellen é um misto de dualidades que se completam: leve e intensa, feia e bonita, crua e pessoal, triste e engraçada, deprimente e esperançosa, literária e real. Seu relato é honesto e comovente e a leitura desta obra com certeza vai te fazer sentir alguma coisa. Mais do que recomendado!
A história de Ellen é um misto de dualidades que se completam: leve e intensa, feia e bonita, crua e pessoal, triste e engraçada, deprimente e esperançosa, literária e real. Seu relato é honesto e comovente e a leitura desta obra com certeza vai te fazer sentir alguma coisa. Mais do que recomendado!
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