Durante a Guerra Fria na
disputa espacial entre Rússia e Estados Unidos surgem nas principais capitais
do mundo diversas naves. O homem não estava mais só, e mais do que isso deixou de ser dono de sua liberdade, os senhores supremos agora que guiam os próximos
passos da Terra. O sofrimento, a violência e outras desigualdades deixam de
existir, mas a pergunta que não é respondida é qual a intenção destes seres?
Porque eles não se mostram? O objetivo deles converge com o bem estar da
população terrestre?
Clarke tem uma narrativa feita em
três partes peculiar e imprevisível, não é rebuscada, mas também não soa comum
e coloquial, é feita em terceira pessoa e narra os acontecimentos do ponto de
vista da humanidade, ou seja, não acompanhamos um personagem, mas sim a
humanidade ao longo do tempo. O fato do foco se dar na Terra e não apenas em um
personagem é novidade para mim, mas parece que é característica da ficção
científica (sou novata, mas aprendo!). A identificação do livro não se dá assim
por um protagonista, mas conosco mesmo habitantes da mesma Terra.
Karellen é um senhor supremo o
único personagem que aparece ao longo de todos os anos da trama, já que é o supervisor do
projeto na Terra, e é quem trata com os seres humanos. Sua resignação quanto a
sua missão e sua condição de vida é bem alien mesmo, qualquer ser humano em seu
lugar estaria gritando pelas galáxias. Eis que ai reside uma sabedoria de
compreender os fatos e não discutir com aquilo que está acima de nossas
capacidades de mudar.
Os conceitos abordados são
bastante densos e complexos, os senhores supremos falam de maneira enigmática e
vaga boa parte do tempo, ao mesmo tempo em que apontam a incapacidade humana de
seguir com as próprias pernas e descobrir o espaço. O objetivo destes seres
embora explicado é um pouco subjetivo e diria maluco, para não dizer
angustiante! Esse objetivo é que nos cola até o fim, é o que nos faz permanecer
mesmo diante do incomodo. Então na reta final quando eles o revelam é
desesperador de pensar, ou melhor claustrofóbico! Embora deva dizer não
impossível e dai vem a angústia porque se fosse absurdo não afetaria e ficaria
no campo das ideias.
O que mais me encantou no livro
foi a psicologia humana escrachada. A Terra se torna um lugar perfeito, logo
esperamos que todos estejam satisfeitos já que não existem problemas correto?
Mas não é o que acontece já que diversos indivíduos não aceitam ter sua liberdade
tolida. E ai surge uma questão estamos preparados para abrir mão de um quinhão
de liberdade por um quinhão de felicidade? Eis uma questão psicanalítica muito
abordado por todo o livro.
O trato dos senhores supremos com
a população seguia no sentido de acostumarem as futuras gerações para mudanças,
inclusive de conhecer as figuras deles. Acredito que nesse sentido Clarke foi
vanguarda já que na minha opinião este contato vai se dar e precisa dessa
preparação. O autor é tão vanguarda que se não eu não soubesse que era um
livro antigo (1953) eu acreditaria que foi feito recentemente tamanha
identificação com a atual realidade, não sei se isso é uma visão dele, ou
significa que o ser humano caminha a passos muito lerdos e já era assim desde
quando ele escreveu e permaneceu!
Essa edição conta com dois
extras, o primeiro uma versão alternativa para o primeiro capítulo, cujo qual
prefiro a original, e segundo o conto que deu origem ao livro (Anjo da Guarda
1946) que não trás novidade já que aparece todo ao longo do livro, mas que não
deixa de ser interessante já que ele era inédito até ser publicado por aqui.
O fim da Infância é uma obra que
mexe com nossos sentimentos e perspectivas para o futuro. Desde a ideia do que
aconteceria com um contato final até o que tipo de coisa poderíamos de fato
aprender e também compartilhar com eles. É o livro que nos esvazia, nos suga e
nos questiona quem somos, o que queremos e porque queremos. É um convite para
deixar a infância não como fase de desenvolvimento física, mas como condição
mental perante o todo, você está preparado?!
P.s o canal SyFy fez um seriado com três episódios sobre o livro e teve sua estréia em dezembro de 2015.
Avaliação
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