Os Bons Segredos – Sarah Dessen

Sydney nunca foi a filha preferida ou a que ganhou mais destaque na família, este papel era de seu irmão mais velho, Peyton. Crescendo à sombra dele, ela sempre se sentiu meio invisível, levando uma vida certinha, sem fugir às regras e sem fazer qualquer coisa que seus pais pudessem recriminar, ela era a filha perfeita, vivendo no mundo perfeito.
Até que tudo muda, Peyton sempre se envolveu com problemas e até bebidas, e um dia, em um acidente estando bêbado ao volante, ele atropela um garoto, que fica paraplégico. Toda a vida da família muda neste instante e o rapaz vai preso. Mesmo sendo o grande responsável por provocar aquilo, seus pais sempre o consideraram como a vítima, principalmente a mãe, que fazia de tudo por ele, para que se sentisse bem, já que não se conformava com o destino terrível do filho.
A filha mais nova, não aguentando mais viver sob os holofotes do que seu irmão fez e querendo mudar um pouco sua vida, decide trocar de colégio. No começo as coisas não são muito favoráveis, afinal é difícil começar do nada em um local novo sozinha, mas tudo está prestes a mudar. Sydney um dia vai a uma pizzaria depois das aulas para evitar voltar para casa e para sua realidade. E é lá que conhece a extrovertida e simpática Layla, filha do dono do restaurante. A amizade entre as duas começa e se fortalece rapidamente, fazendo com que nossa protagonista se sinta confiante para lhe contar todos os seus segredos, aqueles que mais ninguém jamais soube antes, pois nunca saíram de sua cabeça e se transformaram em palavras faladas.
Layla logo leva sua nova melhor amiga para conhecer sua família, que a aceitam como se tivesse feito parte daquilo a sua vida inteira. É lá que ela vai se sentir acolhida e amada, diferente de tudo o que vivenciou até então, onde começa a entregar pizzas, uma atividade da qual percebe que gosta muito, e também onde conhece o único que a enxergou verdadeiramente, Mac. Agora a garota passa a notar que finalmente pôde tomar as rédeas de sua própria vida.
“Mas não foi só a companhia de Mac que me fez gostar das entregas. [...] fiquei intrigada com aquilo. Havia algo que me fascinava na ideia de ir na casa de gente estranha, de espiar outros lugares e as pessoas que moravam ali. Talvez porque sentia que minha família era observada o tempo todo por pessoas de fora. Era legal poder estar do outro lado.”
Eu amo Sarah Dessen, que já se tornou uma das minhas autoras preferidas da vida, todas as suas obras que li me encantaram e me tocaram de alguma forma e com esta não foi diferente. Inclusive ela é considerada uma das melhores escritoras de livros do gênero jovem adulto existentes no mundo e, para mim, sua fama faz jus ao seu talento.
A autora sabe como apresentar problemas mais sérios de uma forma bem leve, e acho isso fantástico, pois os leitores mais jovens podem se identificar e ainda encontrar uma forma de sair da escuridão, sem ficar totalmente depressivos ou algo tão ruim quanto. É como se ela estivesse aconselhando-os de uma maneira sutil, fazendo com que não se sintam os únicos a terem problemas semelhantes. Considero esta a melhor forma de conversar com os jovens, porque não choca, mas mostra que todos temos problemas e podemos sair deles sem que nossos mundos desabem completamente.
“– Sim, mas também é um lembrete. [...]
[...] – Agora continuo a usar para não esquecer o que perdi.
Era estranho ouvir isso. Estava acostumada ao contrário: ausência como sinônimo de dor.”
Sydney é uma protagonista carismática, que enfrenta várias situações de cabeça erguida, apesar de não revelar a ninguém de fora o que realmente passa dentro de si. Mas nós, como leitores, podemos conhecê-la a fundo devido a narrativa ser em primeira pessoa, o que nos aproxima ainda mais dela e nos faz desejar que tenha um final mais do que feliz, porque ela realmente merece depois de tudo que teve que enfrentar ao longo do caminho.
Também gostei bastante de conhecer sua nova melhor amiga, Layla, que a acolheu e a apoiou de uma maneira incrível. Foi muito bonito ver a amizade das duas nascendo e se fortalecendo, e gostei de como a mesma foi explorada. Todos os personagens criados pela autora possuem suas personalidades bem definidas, com qualidades e defeitos bem trabalhados, como um ser humano de verdade, e isso é o mais bacana em suas histórias.
Eu gosto muito de romances e considero que o deste livro acabou sendo deixado muito de lado. Não estou dizendo que algum dos livros de Dessen foque mais o relacionamento amoroso da protagonista (pelo menos isso não aconteceu em nenhum dos cinco que li), mas acho que este ficou tão sutil que não consegui sentir muito pelo casal, não deu tempo de torcer de verdade ou de me envolver com o que eles estavam vivenciando, infelizmente. Para quem gosta de livros que tenha o romance como segundo plano, esta é uma ótima opção.
Acima de tudo o livro fala sobre relacionamentos e confiança e gostei muito de como ambas as coisas foram trabalhadas e muito bem desenvolvidas. Há todo um contraste com relação a família de Sydney e a de Layla. As duas têm bases familiares bem diversificadas, de um lado uma mãe totalmente preocupada com um filho, fazendo de tudo por ele mesmo quando o mesmo deseja distância e deixando de lado a outra filha, como se ela fosse um nada, sem problemas, sem preocupações e só com o objetivo de estudar e ser perfeita. Sobre o pai nem há muito o que comentar, já que ele e nada são exatamente a mesma coisa, ele não se impõe, não ajuda a filha, não levanta a voz, não presta atenção ao seu redor, etc. Enquanto no outro lado, há uma família unida, divertida, que não deixa os problemas suplantarem os bons momentos, onde os filhos são igualmente tratados e também cuidam de sua mãe com muito amor e carinho, eles vivem em um ambiente menor e com menos condições monetárias, mas muito mais acolhedor, preocupado com o bem estar do próximo, incluindo gente de fora, como a própria Sydney.
“Dá para ver todas essas pessoas em lugares diferentes. São como pequenos retratos em tempo real do mundo inteiro.”
Uma coisa que me incomodou muito na Sydney é que ela era passiva demais. A menina ficava chateada com algumas situações, queria se rebelar ou mostrar que era diferente do irmão, que merecia mais confiança, etc., mas chegava na hora ideal e sempre voltava atrás, deixava de se impor, aceitava tudo de cabeça baixa. Não teria me irritado tanto se por acaso além de termos visto seu amadurecimento ao longo das páginas, no final ela se rebelasse e dissesse o que realmente sentia e pensava, mas nada disso aconteceu. O máximo de ação que teve neste sentido foi quando o livro estava se aproximando do fim e ela agiu de uma maneira mais interessante, mas só depois de algo terrível quase ter acontecido a ela e numa situação de extrema importância e, mesmo assim, só foi uma ação bem fraca de sua parte, que ainda teve uma justificativa sensata, e nada de grandes revelações sobre tudo o que estava sentindo.
Até teve uma cena, próxima a este acontecimento, que poderia ter sido desenvolvida mostrando uma conversa entre mãe e filha, já que a gente, como leitores, acabamos esperando que isso aconteça o livro inteiro. Mas Sarah optou por não escrever este papo, somente citar que ele aconteceu, e isso me incomodou muito porque eu queria ver a exploração desta liberdade e expressão de sentimentos e isso não ocorreu de fato.
Eu senti como se ela tivesse moldando a personagem e seu amadurecimento em todas aquelas páginas e situações que vivenciou até então, bem devagar, bem detalhado, para chegar na hora e simplesmente desistir de ir por este caminho de exploração da cena porque a obra já estava longa demais e não daria tempo de expor tudo em poucas palavras. Ou seja, vários ganchos foram sendo deixados pelo caminho, mas na hora de juntar todos para serem transformados num desfecho arrebatador, ela desistiu. E eu realmente queria que pelo menos tivesse uma tentativa.
“Pelo que eu estava aprendendo, ninguém era cem por cento ruim. Mesmo a pior das pessoas em algum momento teve alguém que a amasse.”
A escrita de Sarah é muito, muito gostosa, e ela sabe nos inserir no mundo que criou de uma maneira bem feita e envolvente. Além disso, a forma como ela consegue trazer assuntos pertinentes e reais para as páginas faz com que tudo seja mais crível, como se conhecêssemos os personagens de verdade, e eles fossem de carne e osso, afinal. A gente conhece pessoas (mesmo que não tão próximas a nós) que passam por problemas semelhantes aos abordados na obra, ainda que todos os detalhes não sejam exatamente iguais, mas a forma como lidam com eles ou até os pontos secundários, e não a trama principal. Por exemplo, não necessariamente você vai conhecer alguém cujo irmão foi preso por algum crime, mas pode conhecer alguém cujos pais o comparam com outra pessoa e não o deixam fazer nada por conta desta comparação.
Este não foi o meu exemplar preferido escrito por Sarah, esta posição ainda é de “A Caminho do Verão”, mas eu gostei muito deste seu novo livro, que inclusive foi o último escrito pela autora, publicado lá fora em 2015 também. Amo suas obras, que são todas individuais, ou seja, sem continuações, apesar de ela gostar de fazer brincadeirinhas, e alguns personagens ou lugares fazem pequeninas participações em outros exemplares. E estou esperançosa de que, com o sucesso que esta está fazendo no Brasil, outras de suas histórias também sejam publicadas aqui.
Dessen é considerada a rainha dos YA contemporâneos e já escreveu doze romances mais alguns contos que saíram em antologias com outros autores, mas apenas cinco de seus livros foram publicados no Brasil (na ordem que foram escritos: "Aquele Verão", "Just Listen", "A Caminho do Verão" e "O que aconteceu com o Adeus?" – clique nos títulos para ler as resenhas), então, como comentei acima, estou na torcida para que a Editora Seguinte resolva trazer os demais sete títulos, não importa a ordem, e ainda uma edição com seus três contos (sonhar nunca é demais, né?! Hahaha).
 “Ninguém era capaz de saber o que viria adiante; o futuro era a única coisa que jamais poderia ser destruída, porque ainda não tivera a chance de existir.”
Não gostei do final, chegando a sentir raiva do mesmo. Toda a trama gira em torno de uma questão, ou seja, ela é a mais importante de todo o livro e é a responsável por fazer todo o resto acontecer, direta ou indiretamente. Só que ela não é resolvida. Eu poderia ter ficado satisfeita com o desfecho caso a autora tivesse optado por outro tipo de resolução em relação a ela, mas, não. Dessen decidiu colocar uma cena em andamento que tinha totalmente a ver com isso, nos enchendo completamente de expectativas para chegar na hora exata e... finalizar a história. Ou seja, deixou aquilo completamente em aberto. Esse tipo de final aberto para algo tão importante me irrita profundamente e fiquei com vontade de tacar o livro na parede. Eu realmente precisava saber o que ia acontecer depois daquela última frase, mas agora nunca vou saber, o que é muito chato e também triste.
Adoro esta capa, que representa uma parte bem importante da trama, e é extremamente mais bonita do que a original. A edição impressa conta com acabamento soft touch (aveludado), páginas amarelas e um marcador lindo preso na orelha de trás, que o leitor pode recortar para guardar. A diagramação é simples e muito confortável com uma fonte em tamanho grande e bons espaçamentos entre palavras e linhas.
Para aqueles leitores que curtem uma boa leitura do gênero jovem adulto que fala de assuntos mais complicados e intensos de uma forma leve sem perder a essência, com personagens carismáticos e muito bem desenvolvidos, uma pitada de romance e uma trama comovente, Sarah Dessen é uma opção mais do que certeira. E este livro, “Os Bons Segredos”, é uma graça e merece ser lido.
Avaliação



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