Eu pensei em diversas formas de começar essa resenha, mas nenhuma me pareceu apropriada, não é porque o livro em questão seja excepcional e dificulte a resenha, nem porque ele seja ruim e não tenha o que dizer, é porque ele fala de coisas tão delicadas e profundas que as palavras fogem para descrevê-lo. Garotas de Vidro, da autora Laurie Halse Anderson, publicado pela Novo Conceito foi de congelar o coração e quebrar em pedacinhos.
Lia é uma jovem de dezoito anos
em conflito com seu corpo, ela acaba de perder sua amiga mais próxima, Cassie, que
antes de morrer ligou para ela 33 vezes. O fio sutil que se ligava a realidade
se quebra, e Lia começa a perder o controle sobre si mesmo e seu entorno. O que
sua amiga tinha para lhe contar? Quem é a pessoa que todos os dias olha para
ela no espelho? Qual é a verdadeira realidade que a cerca? Lia será capaz de
vencer seu problema, e escolher a vida? Ou se tornará uma garota gelada como
sua amiga?
Eu cometi a estupidez de me achar
qualificada para ler esse livro sem drama, mas não existe aula e nem vertente
psicológica que nos prepare para realidades tão duras quanto a que a
protagonista nos apresenta. Ela sofre de anorexia, associada a automutilações.
E mais do que alguém com comprometimento de sua própria identidade, ela é uma
garota que rompe com a realidade. São tantas e tão diversas as camadas que ela
possui, tantos traumas e associações distorcidas que eu passaria dias
especulando e teorizando sobre a personagem. Mas tirando o 'psicologuês' de
lado, o que encontramos é uma criança que teve seu crescimento comprometido
pela sua relação ausente com os pais e posterior separação destes.
É muito triste ouvir suas falas
sobre como ela não consegue se reconhecer ao olhar para o espelho. Como ela se
auto maltrata e mutila para encontrar alguma vida. Ao mesmo tempo que se agarra
a vida através da meia-irmã que lhe dá motivos para continuar. Não foi uma, nem
duas vezes que me pegava xigando e dizendo a ela: coma, simplesmente coma, e
pare com isso! Ou simplesmente torcendo para que ela fosse pega, já que ela vivia
enganando os pais e a madrasta que acreditavam que ela estava comendo.
Existe uma questão entre as
amigas, e isso é uma ligação tão forte que nem elas mesmas se deram conta disso
antes que já fosse muito tarde. Cassie era bulímica, além de gostar de se aventurar.
Ela já não conversava com Lia tinha mais de seis meses e mesmo assim ligou para
amiga antes de sua morte, e esse mistério amarra bem a trama feita em primeira
pessoa.
A narrativa é muito intensa,
emocionante e tocante. Não é para qualquer um, e pode mexer com os nervos
facilmente, eu me peguei muitas vezes triste durante a leitura, pois não temos
descanso, apenas no fim do livro que conseguimos chegar a algum ponto, antes é
o dia a dia de Lia contando cada caloria ingerida, noites mal dormidas para
queimar calorias, truques para burlar a balança, o ódio que ela nutre pelos
pais ausentes, xingamentos, contagem, enfim a loucura que cada grama não
perdida lhe dava.
A autora trás trechos do que
seria um blog de bulímicas e anoréxicas, e é terrível imaginar o que elas
fazem, desde tomar remédios para eliminar tudo que comeu até jejuns coletivos.
Cada grama a menos é comemorada, já que elas se acham verdadeiras baleias,
assim como todos que as cercam.
A busca pela identidade é um
caminho longo e árduo para todos, para alguns indivíduos é uma estrada de lama
pois os portos seguros do caminho se fecharam. Os pais são figuras importantes
que trazem referência e papel de espelho aos filhos para estes construírem suas
personalidades, quando esses papeis não são exercidos a quebra pode ser
drástica e outros caminhos usados, entretanto nem todos são saudáveis.
Garotas de Vidro é um relato
autêntico de uma busca pelo caminho da dor e do sofrimento; da ausência e não
compreensão; da saudade e da falta; é sobre todos os buracos que não
encontraram remendos e placas de desvios, mas é também sobre como levantar
quando tudo que você tem é apenas o fundo do poço. É humano, é visceral, é
sobre uma verdade que está ai fora e que a maioria prefere dizer que não
conhece. Quando você olha no espelho quem você vê?
Avaliação
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