Odran Yates é um padre na
Irlanda, ele já está começando a ficar velho, e começa a rever seu passado, e a
se perguntar sobre suas escolhas. Seu melhor amigo, Tom, que conheceu no
seminário, é figura comum em suas lembranças e também quem desperta suas
dúvidas. Ao narrar a história desses dois personagens, um panorama é traçado de
uma sociedade sufocada pelo catolicismo e pelo regime doutrinário das escolas,
desvelando um segredo bem guardado da igreja.
Não li a sinopse do livro quando
escolhi, fui as cegas só pelo autor, e quando comecei a leitura e me dei conta
de que o protagonista era um padre eu fiquei com medo de que o discurso
religioso aparecesse. Mas ele nunca apareceu, o que conhecemos é um homem que é
padre, mas não um religioso. Odran é marcado por uma estória trágica na
infância, que fez com que sua mãe fizesse escolhas para ele que acabaram com
ele no seminário.
A grande questão é que Odran
nunca questionou, ele sempre acreditou que estava no local certo, que havia
nascido para ser da Igreja. Ele é muito inocente, não consegue ver as situações
de forma muito ampla, e diria adulta, já que não conseguiu perceber as tramas e
situações que se desenrolavam a sua frente. Ele desperta empatia pela sua
estória, que é narrada em primeira pessoa, através de capítulos em diversos
anos de sua vida. O desfecho do livro que é o ápice sobre a conclusão de suas
escolhas de vida, e é muito interessante, embora tardia.
Temas muito espinhosos são
trabalhados no livro, como a relação da igreja católica na sociedade Irlandesa
ao longo dos anos, que passou de respeitosa- os padres eram adorados e
respeitados- para o total desprezo e
perseguição depois das denúncias de pedofilias acorridas por vários anos. Não
sei dizer quanto o autor pegou da realidade, mas imaginar tudo que ele narrou é
angustiante, já que muitas famílias entregavam seus filhos a esses homens tidos
como santos para ajudarem em suas educações, e acabavam destruindo a vida desses
meninos. Ele também coloca algumas questões quanto ao conhecimento e
manipulação da igreja quanto a estes casos. E eu particularmente acredito que
isto seja uma verdade, que ainda hoje custa a ser revelada ao público.
Boyne é genial, já que mais vez
conseguiu contar uma estória de vida, ao mesmo tempo em que fala de um momento da
história e da vida de uma sociedade. Liga as partes de forma muito inteligente
e perspicaz. Sem deixar pontas soltas, ou escrita em excesso, todas as peças se
juntam em uma panorama que termina em atordoamento completo. Fiquei bastante
mexida com sua narrativa, especialmente quando os segredos começam a ser
revelados.
O cuidado do autor ao criar cada
personagem, dar sustentação a cada um deles, criando suas estórias, suas
personalidades e vidas é assombrosa. Ele não cria situações absurdas, ao
contrário, são tão possíveis que chegam a ser chocantes! A irmã de Yates e sua
doença, seus sobrinhos tão diferentes mas ao mesmo tempo tão ricos em conteúdo
a serem exploradas e refletidos na estória do próprio Yates que se questiona se
não estaria no mesmo local que eles se tivesse tomado outros caminhos, ou ainda
nascido em outra época.
Sua vida contrasta com a de
melhor amigo Tom, que nos apresenta uma possível gênese para um comportamento
desviante! De alguma forma a inocência de Odran passa de pura para alienamento
quando passa tanto tempo ao lado de alguém tão perverso. Se eu falar mais sobre
o personagem Tom estrago as surpresas, mas posso afirmar que é muito maluco
tentar pensar através de sua ótica, não é possível chegar a uma conclusão de
quanto ele é alguém que cresceu com uma realidade quebrada ou simplesmente é
uma pessoa ruim.
Boyne mais uma vez me conquistou
quando não esperava pela surpresa. Confesso que a temática do livro me frustrou
quando comecei, mas ela é muito maior do que parece se propor, narra uma
estória de vida marcada por dores reprimidas, relações rompidas e segredos
podres. Nada do que eu diga consegue expor o impacto que essa leitura provoca.
É um soco no estômago, é ao mesmo tempo prazerosa, por isso tudo que eu digo é
leia Boyne já!
Avaliação
Nenhum comentário:
Postar um comentário