Uma História de Solidão - John Boyne


Eu tenho impressão que existem autores que não importa o que escrevam irão conseguir despertar encanto em que lê. John Boyne me despertou um carinho imenso quando li O Palácio de Inverno, e tinha a nítida impressão que se ele escrevesse uma bula de remédio ela soaria menos perigosa que as outras. Não foi engano meu ao pensar que sua narrativa é mesmo assim mágica, já que em Uma História de Solidão, publicado pela Cia das Letras, foi tão surpreendente quanto seu outro livro.

Odran Yates é um padre na Irlanda, ele já está começando a ficar velho, e começa a rever seu passado, e a se perguntar sobre suas escolhas. Seu melhor amigo, Tom, que conheceu no seminário, é figura comum em suas lembranças e também quem desperta suas dúvidas. Ao narrar a história desses dois personagens, um panorama é traçado de uma sociedade sufocada pelo catolicismo e pelo regime doutrinário das escolas, desvelando um segredo bem guardado da igreja.

Não li a sinopse do livro quando escolhi, fui as cegas só pelo autor, e quando comecei a leitura e me dei conta de que o protagonista era um padre eu fiquei com medo de que o discurso religioso aparecesse. Mas ele nunca apareceu, o que conhecemos é um homem que é padre, mas não um religioso. Odran é marcado por uma estória trágica na infância, que fez com que sua mãe fizesse escolhas para ele que acabaram com ele no seminário.

A grande questão é que Odran nunca questionou, ele sempre acreditou que estava no local certo, que havia nascido para ser da Igreja. Ele é muito inocente, não consegue ver as situações de forma muito ampla, e diria adulta, já que não conseguiu perceber as tramas e situações que se desenrolavam a sua frente. Ele desperta empatia pela sua estória, que é narrada em primeira pessoa, através de capítulos em diversos anos de sua vida. O desfecho do livro que é o ápice sobre a conclusão de suas escolhas de vida, e é muito interessante, embora tardia.

Temas muito espinhosos são trabalhados no livro, como a relação da igreja católica na sociedade Irlandesa ao longo dos anos, que passou de respeitosa- os padres eram adorados e respeitados- para  o total desprezo e perseguição depois das denúncias de pedofilias acorridas por vários anos. Não sei dizer quanto o autor pegou da realidade, mas imaginar tudo que ele narrou é angustiante, já que muitas famílias entregavam seus filhos a esses homens tidos como santos para ajudarem em suas educações, e acabavam destruindo a vida desses meninos. Ele também coloca algumas questões quanto ao conhecimento e manipulação da igreja quanto a estes casos. E eu particularmente acredito que isto seja uma verdade, que ainda hoje custa a ser revelada ao público.
Boyne é genial, já que mais vez conseguiu contar uma estória de vida, ao mesmo tempo em que fala de um momento da história e da vida de uma sociedade. Liga as partes de forma muito inteligente e perspicaz. Sem deixar pontas soltas, ou escrita em excesso, todas as peças se juntam em uma panorama que termina em atordoamento completo. Fiquei bastante mexida com sua narrativa, especialmente quando os segredos começam a ser revelados.

O cuidado do autor ao criar cada personagem, dar sustentação a cada um deles, criando suas estórias, suas personalidades e vidas é assombrosa. Ele não cria situações absurdas, ao contrário, são tão possíveis que chegam a ser chocantes! A irmã de Yates e sua doença, seus sobrinhos tão diferentes mas ao mesmo tempo tão ricos em conteúdo a serem exploradas e refletidos na estória do próprio Yates que se questiona se não estaria no mesmo local que eles se tivesse tomado outros caminhos, ou ainda nascido em outra época.
Sua vida contrasta com a de melhor amigo Tom, que nos apresenta uma possível gênese para um comportamento desviante! De alguma forma a inocência de Odran passa de pura para alienamento quando passa tanto tempo ao lado de alguém tão perverso. Se eu falar mais sobre o personagem Tom estrago as surpresas, mas posso afirmar que é muito maluco tentar pensar através de sua ótica, não é possível chegar a uma conclusão de quanto ele é alguém que cresceu com uma realidade quebrada ou simplesmente é uma pessoa ruim.

Boyne mais uma vez me conquistou quando não esperava pela surpresa. Confesso que a temática do livro me frustrou quando comecei, mas ela é muito maior do que parece se propor, narra uma estória de vida marcada por dores reprimidas, relações rompidas e segredos podres. Nada do que eu diga consegue expor o impacto que essa leitura provoca. É um soco no estômago, é ao mesmo tempo prazerosa, por isso tudo que eu digo é leia Boyne já!

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