Somos Guerreiras - Glennon Melton

De vez em quando eu me coloco como meta leituras profissionais, com isso não quero dizer livros que leio de editoras ou que tenham a ver com literatura, com isso me refiro a livros de acordo com minha formação em Psicologia, que embora eu não atue está em constante movimento na minha mente. Me coloco nessa 'obrigação' para aumentar meu repertório e experiência não prática. No evento da editora Intrínseca o livro Somos Guerreiras, da autora Glennon Melton foi um convite a este tipo de leitura, já que aqui não temos um livro de ficção, mas sim um livro biográfico.

Neste volume acompanhamos o desenvolvimento e transformação de Glennon que narra em primeira pessoa sua vida desde a infância até o momento atual em todos seus detalhes do ponto de vista psicológico especialmente. Isso porque desde os dez anos ela desenvolveu um quadro de bulimia, e posteriormente na fase da faculdade ela torna-se alcoólatra.

O primeiro ponto importante de se destacar é a relação de Melton com seu corpo, ela se vê como alguém grande, fora dos padrões aceitos e esperados. Assim depois de ver na tv alguém vomitando ela tem a ideia de comer compulsivamente e depois vomitar, para assim se transformar no ser humano leve e gracioso que ela acredita que deve ser. Entretanto a relação que ela estabelece com o próprio corpo não é saudável, não só porque ela vomita, mas porque ela cria uma ruptura entre sua mente e o mesmo, que ela só vai se dar conta na fase adulta depois de ter seus três filhos.

"Assim a bulimia se torna um lugar para qual sempre volto quando quero ficar sozinha, submersa, não sentir tanto, sentir tudo, em segurança. A bulimia é um mundo que criei para mim mesma, já que não sei como me encaixar no mundo real. A bulimia é meu esconderijo seguro e mortal, onde a única pessoa que pode me machucar sou eu mesma. Onde estou distante e confortável. Onde a minha fome pode ser tão grande quanto é, e posso ficar tão pequena quanto preciso ser" (Pg. 26)

O segundo ponto é que com essa cisão entre corpo e mente sua relação com o sexo e amor acaba também doente. Ela faz sexo de forma ausente e distante, e mais que isso não suporta o ato. Ela sequer compreende como as pessoas gostam tanto. Para enfrentar esta questão e  sua bulimia, além de se integrar aos grupos sociais ela começa a beber muito na sua faculdade, chegando ao ponto de ter brancos de boa parte de seus dias, por muitos dias seguidos, tornando-se alcoólatra.

Quando ela conhece o marido Craig e já está formada na faculdade ela mantêm seu padrão com as bebidas. Isso só muda quando ela acidentalmente engravida e resolve se casar. E é a partir daí que um casamento forjado em ar se estabelece. Duas pessoas com sério comprometimento sentimental se juntam, e claro anos mais tarde acabam por se separar, já que fica claro para ambos que eles não podem se amar, porque nenhum deles sabe quem é, logo não se conhecem.
Embora tenha sofrido uma descoberta marcante, e depois ter se separado ela ainda consegue retomar o casamento. E esta retomada, narrada de forma bastante detalhada é muito rica e interessante de acompanhar. Ambos frequentam uma psicóloga, e ela propõe a eles a retomada de suas vidas, e um convite para que eles de fato se conheçam e se aproximem. Assim o que era mais uma história de um casamento movido por um filho, se transforma em uma história de amor. Mas que não foi por isso sem dor, e muita determinação de ambos.

É doloroso, marcante e algumas vezes cansativo acompanhar os pensamentos de Glennon que escondeu dentro de si a pessoa que é, e atuou boa parte de sua vida com uma 'segunda personalidade'. Por medo de não ser aceita fez coisas que não queria, e sempre teve medo de mostrar e bancar quem era e o que queria. A descoberta de si mesmo para ela foi muito dolorosa e repleta de medo.

Ela também foi muito feliz ao trazer a luz as questões do marido, já que ficou claro que um casamento falha não porque uma pessoa erra, mas porque as duas pessoas tinham suas falhas. O mais irônico eu diria é que ele tinha questões que pareciam diferentes da dela, mas que no fim acabam sendo muito similares, assim Glennon se dá conta de quanto eles eram iguais. E o que vale destacar é que tudo foi possível porque eles quiseram, porque eles se enfiaram na lama, e mexeram, se sujaram, e tentaram sem pressa de mudar.

Pensando no livro como entretenimento a narrativa da autora é bem realizada, e ela consegue expressar bem aquilo que muitas vezes apenas a mente compreende. Conseguimos ter a dimensão de todos os seus traumas, medos, sensações e sentimentos. E vezes até soava como um livro de ficção. Agora pensando nele como um livro biográfico que conta fatos vividos e nada romanceados, temos uma narrativa pesada e forte que demora a inspirar transformação em que lê, porque a autora demorou muito a se encontrar.

Como psicóloga achei uma leitura rica, e um ótimo estudo de caso. Para leitores leigos pode gerar empatia e identificação, que não foi meu caso, já que meus traumas são distantes do dela. E ai talvez você esteja se perguntando se vale a leitura, e eu digo sim! Toda história de vida que teve um 'fim' de superação é válida de se ouvir e refletir, seja para mover algum conteúdo interno, seja para ajudar um próximo. O fato é que Somos Guerreiras mostra como um patinho feio se transformou não em uma princesa, mas em uma guerreira que luta por sua vida constantemente!

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