Engraçado como meu gosto
literário segue rumos muito particulares, enquanto algumas pessoas não enxergam
a beleza de algumas páginas, e eu as devoro, outros amam livros que eu não
compreendo a graça. O que seria da diversidade se todos gostassem das mesmas
coisas não é? A Elegância do Ouriço, da autora Muriel Barbery, publicado pela
editora Companhia das Letras segue esse linha particular e peculiar que eu amo,
e que alguns não compreendem.
Em um elegante bairro de Paris e
em um caro edifício de apartamentos uma acanhada zeladora tenta fazer seu
serviço de forma eficiente e desapercebida, escondendo um segredo sobre sua
natureza. Alguns andares acima uma adolescente em crise também tenta a todo
custo esconder quem é, ao mesmo tempo em que toma uma decisão radical quanto ao
rumo da sua vida. Duas vidas nas sombras que se transformam com a mudança de um
novo vizinho que vai trazer esperança e luz para estas duas mulheres!
Eu não estava preparada para este
livro, eu acreditava que ele seria tudo menos o que ele foi. A narrativa de
Barbery é realizada em primeira pessoa alternadamente entre as duas
protagonistas, Renneé a concierge do prédio, e Paloma uma jovem de quase treze
anos. Ambas com um discurso extremamente inteligente, que tem como base uma
forte crítica a sociedade tanto dos ricos quanto da espécie humana em geral.
Como filósofa a autora não poderia deixar de lado uma forte carga de filosofia,
e quando digo forte não é de maneira implícita, mas sim explícita, através da
narrativa de Renneé que cita diversos filósofos ao longo de seus relatos, e
seus pensamentos.
Renneé não é tão velha quanto
quer parecer ser, não chega nem aos sessenta anos, mas se descuida da aparência
e até dos atitudes para com as pessoas. Tudo que ela faz é para passar
desapercebida, para esconder que embora pobre é extremamente inteligente. Se
faz de sonsa e tonta, engole discursos errados, mas não cede. Enquanto os ricos
fingem ter conteúdo, ela transborda filosofia, comentando com frequência
filósofos e autores literários, em especial russos. Seu comportamento é baseado
em um trauma na juventude, e sua transformação só se dá com a vinda de um
japonês ao prédio. E nas palavras de Paloma ela é "é crivada de espinhos, uma
verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente
requintada quanto os ouriços..."( pg. 152)
Paloma é bem dotada, mas não
deixa que os outros a percebam, ela tem medo de acabar seguindo o caminho de
todos os adultos, o aquário, e para fugir deste destino que parece fato ela
decide que vai se matar (não é spoiler, ela diz isso em seu primeiro capítulo).
Ela fala disso com um tom frio e realista, como nada mais poderia ser feito a
respeito. Mesmo decidida ela acredita que deve deixar para trás algum legado, e
assim cria dois diários, um sobre pensamentos profundos, onde ela explora
acontecimentos de seu dia que a levaram a pensamentos profundos e relevantes do
espírito, e outro do movimento do mundo, falando sobre o corpo e as pessoas,
obras-primas da matéria, sempre concluindo sobre o valor que estas tem, e se
são suficientes para continuar a viver.
Kakuro é o japonês que se muda
para o prédio e descobre a verdade sobre ambas, e mais que isso valoriza cada
uma delas pelo que são, logo causa um rebuliço dentro delas. É sábio e empático
com as pessoas, com aquela aura esperada de mestres orientais. Outros
personagens de destaque são os animais dos moradores, muitos gatos e um
cachorro com nomes imponentes e personalidades marcantes, são evocados na
estória como gente a ponto de até nos confundir no começo!
Até quase a reta final do livro a
estória e a forma como foi desenvolvida muito me lembraram os filmes do diretor
Woody Allen, mas o desfecho da trama não seguiu o padrão do mesmo. Eu já digo
não gostei do fim, claro por questões pessoais eu diria, já que é válida a
decisão da autora quanto ao futuro das personagens. Mas eu não esperava pelo
ocorrido, e ele me deixou extremamente triste!
A Elegância do Ouriço é mais do
que uma estória, é um convite a olhar para dentro, e depois observar quem está
ao seu redor. Não segue o padrão dos livros, e por isso mesmo é delicioso, mas
com isso talvez não agrade quem quer ação e aventura, já que aqui não importa
tanto o que acontece, mas a beleza no mundo, um sempre no nunca.
P.s O livro foi adaptado para o cinema, e parece ser bastante fiel ao livro, pelo menos no trailer. Uma pena que não teve divulgação por aqui.
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