Eu sempre fiz o perfil da adolescente revoltada, na época a esperança de todos era que com a idade isso passaria, mas agora com uns bons anos na vida adulta acho que todos perderam a esperança de que eu me enquadre no rebanho, e sou feliz em dizer que não me encaixo! Esbarrar em leituras que conseguem formalizar alguns destes meus pensamentos não é recorrente, então foi uma surpresa boa ler À Mesa com o Chapeleiro Maluco, do autor argentino Alberto Manguel, pela Cia das Letras, e encontrar textos neste sentido.
O primeiro texto que o livro nos
brinda é um prefácio onde o autor utiliza os dois livros de Alice, de Caroll,
para explicar o comportamento humano moderno e a loucura insana que gera
necessidades fúteis. Trechos dessa obra são fio condutor de boa parte de sua
escrita e também tema das ilustrações ao longo do livro, e devo acrescentar são
muito bonitas!
"Alice e as sombras de seu
país das maravilhas representam para nós os papéis que representamos no mundo
real. Sua loucura é trágica ou divertida, eles mesmos são loucos exemplares ou
testemunhas eloquentes da loucura de seus irmãos sombrios, eles contam
histórias de comportamentos absurdos ou insanos que refletem os nossos para que
possamos vê-los e entendê-los melhor". (pág. 28)
O livro apresenta diversos
artigos de Manguel que apareceram em diversas publicações. Ele foi estruturado
em cinco partes, onde cada uma delas tem uma característica comum, a primeira-
Regras Simples é a melhor parte, com três textos, dois deles bastante críticos
sobre a estrutura da sociedade e o processo de leitura e aquisição de
conhecimento. "Notas para uma definição ideal de leitor" é excelente
e já vale o livro, leitura obrigatória para leitores! É impossível citar apenas
um trecho, são sucessivas verdades a cerca da leitura e o que o leitor
representa. "Como Pinóquio aprendeu a Ler" é outro destaque, a partir
de uma análise do personagem Pinóquio, o autor consegue explanar quanto a
escola ensina apenas uma linguagem/ leitura suficientes para compreensão e
leitura de propagandas (ou seja para que o capitalismo continue alimentado), e
não para promoção de reflexão e crítica. Aprender a pensar é um traço raro na
educação, existe uma severa crise na humanidade de imaginação.
"Numa sociedade em que as
necessidades básicas do cidadão não são atendidas, os livros são um alimento
pobre; mal utilizados, podem ser mortais"(pág. 42)
Na segunda parte, O livro em
Partes, os cinco ensaios exploram artifícios de escrita, como o ponto ou uma
breve história da página. São textos mais técnicos, mas repletos de referências
de diversos autores e obras. Embora já tratem de temas mais específicos ainda
são acessíveis ao público leigo. "Quarto para a Sombra" é um texto
Manguel nos conta como deixou de ser apenas leitor, aos quarenta anos, e passou
a escritor também. Ele teve muita dificuldade no processo e não se achava digno
de ocupar espaço na estante com autores que ele tinha como perfeitos. Essas
questões são muito interessantes, já que é comum ouvirmos de muitos autores
consagrados que escrever é algo inerente a eles desde sempre.
Já a terceira parte, Compra e
Venda, são textos um pouco mais densos e que requerem certos conhecimentos
prévios, como autores que ele cita. A quarta parte, Alguns Escritores, têm onze
ensaios, cada um deles explorando um autor diferente e suas peculiaridades.
Devo confessar que esses textos foram um pouco maçantes já que muitos dos
autores citados são desconhecidos por mim, e o cunho crítico de Manguel é
ausente nestas escritas. Mesmo assim se não forem lidos em sequência podem
acrescentar novos conhecimentos sobre literatura a quem lê, já que o autor tem
vasto conhecimento do que fala.
Por fim, na última parte, Pessoas
e Lugares, são textos que apresentam informações sobre locais, como a última
morada de Van Gogh, a catedral inacabada Sagrada Família, e um jardim em
Sanssouci que o Rei Frederico e Voltaire dividiram como morada por um período.
Embora fujam do tema literatura são artigos interessantes que falam de pessoas
tidas como geniais e os locais que a inspiraram ou no caso de Gaudí o marcaram.
Fico feliz que mesmo tarde
Manguel tenha resolvido escrever porque é evidente em sua escrita sua alta
capacidades de ser crítico, poético e preciso nas informações que quer
transmitir sem que para isso seja inacessível ou ortodoxo. À Mesa com o
Chapeleiro Maluco é um livro que deve atravessar a vida do leitor cedo ou
tarde, já que acrescenta e contribui para a formação de pensador de quem lê.
Puxe sua cadeira e tome um chá com o Chapeleiro Maluco!
"Aprender a ler então
consiste na obtenção dos meios para se apropriar de um texto e também para
participar das apropriações de outros". (Pág. 46)
Avaliação
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