Começo esta
resenha dizendo que não posso comentar muito sobre o enredo do livro, visto que
o bacana de ler esta história é entendê-la quando o propósito da jornada do
protagonista é revelado. Além disso, ela é muito curta e, qualquer coisa que eu
pudesse dizer mais elaborada sobre ela, acabaria sendo um spoiler e o leitor
perderia toda a graça antes do tempo. Mas posso dizer que este é um conto onde
dois personagens saem em uma expedição em busca de um tesouro escondido numa
caverna. Mas o ouro é amaldiçoado e há um preço para aqueles que entram naquele
espaço e saem com o que desejam.
Já li
algumas das obras de Neil Gaiman, sendo a mais famosa dentre elas “Stardust – O Mistério da Estrela”, que já foi adaptada para uma versão cinematográfica com Claire
Danes, Michelle Pfeiffer, Robert De Niro e Charlie Cox, que eu amo tanto quanto
o livro, apesar de serem bem diferentes (tem resenha de ambas aqui no blog com
comparações, clica no título para conferir).
Os demais
títulos do autor que li foram curtos, sendo contos ou não ficção e
absolutamente adorei todos. Gaiman tem uma habilidade com as palavras tão
incrível, que a gente se sente conectada a elas de uma forma magnética, quase
sem desgrudar os olhos das páginas, principalmente porque desejamos saber o que
vai acontecer no final, o que ele preparou para aquele desfecho.
Foi essa a
sensação que tive com “A Verdade É uma Caverna nas Montanhas Negras”. Comecei a
leitura sem saber muito o que esperar em relação ao enredo, sabia que era do
aclamado escritor, que tinha relação com família e amor e nada mais. Então a
cada virada de página eu não necessariamente sabia o que estava acontecendo,
porque precisava continuar avançando para entender qual era o objetivo de toda
aquela jornada. E, olha, foi surpreendente! Confesso que não esperava algo
assim, mas achei o final bem positivo, apesar de trágico.
É aquele
tipo de livro que vai mexer com os sentimentos do leitor, fazê-lo indagar seu
próprio comportamento caso estivesse na mente do protagonista. O que faria?
Teria agido igual ou escolheria um caminho diferente? Tudo depende do seu
coração, da sua capacidade de agir de tal forma e qual a sua posição quanto a
vinganças e o que ela traz de volta para seu coração e sua mente. O que seria
necessário acontecer com você para que pudesse aguentar as consequências de uma
atitude extrema, que fizesse valer o que de ruim viesse com sua decisão?
“– Às vezes acho que a verdade é um lugar. Para mim, é como uma
cidade: pode haver uma centena de estradas, uma centena de caminhos que, no
fim, nos levarão ao mesmo lugar. Não importa de onde venhamos. Se seguirmos na
direção da verdade, vamos alcançá-la, independentemente do rumo que tomamos.
[...]
Está
enganado. A verdade é uma caverna nas Montanhas Negras. Há somente um caminho
até lá, e um caminho apenas. Um caminho árduo e traiçoeiro. E, se seguir na
direção errada, vai morrer sozinho na montanha.”
Há um quê de
misterioso nesta história de Gaiman que nos prende nas páginas, a gente entende
o que está havendo meio que superficialmente, porque acompanhamos os
acontecimentos no momento em que ocorrem, mas sabemos que há algo sob a
superfície, algo que vai aparecer mais cedo ou mais tarde e mudar tudo, trazer
uma nova perspectiva de cada episódio vivenciado para chegar até esta
revelação.
A narrativa
do autor é bastante fluida e gostosa, fazendo com que nossa leitura avance com
facilidade e rapidamente. O cenário e o pano de fundo histórico são mencionados
e eu gostei de conhecê-los, principalmente porque me remeteram a uma série
televisiva que tanto amo, Outlander, baseada em obras literárias da autora Diana
Gabaldon. Aqui, os personagens também caminham pela Escócia, nas Highlands, no
período dos jacobitas.
A edição
impressa da Intrínseca está um verdadeiro primor. A capa é dura, o formato do
livro é um pouco menor que o padrão nacional, é quadrado e tem 20 cm x 20 cm.
As páginas são em papel couché (estilo folha de revista, só que mais grosso),
com alta qualidade de impressão.
O livro tem
apenas oitenta páginas, mas consegue encantar neste curto espaço,
principalmente levando em consideração a forma como a trama foi contada: além
do texto em prosa com ilustrações complementando as cenas de forma fantástica,
ainda há alguns trechos em quadrinhos com suas características falas em balão.
Os traços do ilustrador, Eddie Campbell, são diferentes a cada momento, ora
mais parecido com pinturas com uma pegada mais realista, ora mais voltado para
o desenho, e detalhados com foco nos personagens na maior parte do tempo,
deixando o cenário mais como pano de fundo mesmo em alguns momentos e como
destaque em outros.
Neil Gaiman
já teve diversas de suas obras publicadas, inclusive muitas já foram traduzidas
para o português, e há resenha de algumas aqui no blog (clique no nome do autor
para conferir), ele já ganhou diversos prêmios, inclusive por “A Verdade É uma
Caverna nas Montanhas Negras”, e “é considerado um dos dez maiores escritores
pós-modernos vivos”.
Depois de
terminado o conto, há um texto do autor explicando que ele foi convidado para
participar de um festival no Opera House de Sydney e escolheu um ainda inédito,
que é este aqui. Para acompanhá-lo nesta apresentação, ele escolheu o artista Eddie
Campbell para ilustrar as projeções e o Quarteto de Cordas FourPlay (que compôs
o tema de Doctor Who) para cuidar da música. É claro que essa apresentação não
poderia ter sido menos do que um sucesso absoluto. E depois a obra literária, “uma
obra que passeia entre o livro ilustrado e o graphic novel, desafiando os
limites entre texto e imagem em uma explosão de cor e sombra”, foi idealizada.
“A Verdade É
uma Caverna nas Montanhas Negras” é uma história curta, reflexiva, tocante e profunda,
que só um bom escritor poderia ter feito. E Gaiman já provou inúmeras vezes que
se encaixa perfeitamente nesta categoria. Recomendo muito!
Avaliação
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