Fuja, Coelhinho, Fuja – Barbara Mitchelhill

Barbara Mitchelhill criou uma trama envolvente, intensa e leve ao mesmo tempo, sobre um novo ângulo da Segunda Guerra Mundial: a dos pacifistas que se recusam a lutar na guerra. William Butterworth é pai de duas crianças, Lizzie, de onze anos, e Freddie, de seis, cuja mãe não está mais com eles porque a loja em que trabalhava foi atacada por uma bomba.
Para não destruir e separar sua família, William, que também não aprova a guerra de maneira nenhuma e nem tem intenção de ir para a frente de batalha para causar ainda mais mortes, resolve que não quer lutar. E, para isso, pede uma audiência com a intenção de ser dispensado. Mas as coisas não saem como o esperado. Para escapar da prisão, ele resolve pegar os dois filhos e fugir para um local que aceita refugiados como ele, a comunidade Whiteway.
Mesmo enfrentando circunstâncias não muito favoráveis, tudo estava indo bem até que algo ruim acontecesse e eles precisam fugir novamente. Mas as condições de clima e alimentação e também os obstáculos pelo caminho acabam tornando a jornada muito mais difícil e perigosa, e as consequências dela podem vir a ser fatais. É então que ele toma uma decisão muito difícil e que torna sua chance de fazer com que a família permaneça unida cada vez mais distante.


A fofa da Ana, da Editora Biruta, que é a responsável por conversar com os blogs parceiros, me recomendou este volume, dizendo que eu ia gostar bastante. No meio de tantas opções incríveis no catálogo, é sempre difícil escolher qual será minha próxima leitura, mas depois de ouvi-la dizendo que eu ia me encantar com esta leitura, não poderia ter escolhido outra. E, agora, depois de tê-la lido, posso afirmar que fico feliz pela indicação, porque fiquei realmente apaixonada. E agora é a minha vez de indicá-lo para o máximo de leitores possíveis, independente da idade.
Eu acredito que nunca antes tenha lido nenhuma obra sobre uma pessoa que foge da guerra (mesmo que tenham existido muitas), mas achei bastante interessante acompanhar um lado mais ameno do período, e também como era a vida daquelas pessoas que ficaram e como a guerra afetava e separava as famílias.
A narrativa está em primeira pessoa sob o ponto de vista da menina Lizzie, o que trouxe uma sinceridade e uma candura para a leitura que não poderia ser obtida se fosse narrada por qualquer outro personagem.
Mas, acompanhar os relatos da pequena Lizzie sobre a guerra não diminui de maneira nenhuma o impacto ruim que esta teve na vida da população de modo geral. Pelo contrário, sentir sua melancolia com relação as coisas que ocorrem ao seu redor só fazem com que a carga dramática fique mais intensa, desoladora e até angustiante. E saber que aquilo foi real só torna tudo ainda pior, mas não de uma maneira ruim, somente mais honesta e palpável.


Tentando desesperadamente sobreviver e manter sua família unida, William precisa ir contra tudo e todos, e isso inclui governo e população, para manter-se fiel às suas convicções. A parte mais difícil disto é que muitos o consideram um covarde, quando na verdade é preciso muita coragem para bater de frente com os perigos e as consequências de sua decisão.
“(…) às vezes penso sobre a guerra e sobre quem é valente, ou covarde. Acho que uma pessoa tem de ser valente para afirmar diante de todo mundo aquilo em que acredita.”
Um ponto que me chamou a atenção é que a grande maioria das pessoas (com pouquíssimas exceções mesmo) que passou pelo caminho de Lizzie e Freddie, sempre ficava incomodada e chateada com o fato de o pai deles ser pacifista e não ir para a guerra por este motivo, tratando-o com grande preconceito. Quase ninguém via o outro lado dos fatos e logo queria denunciá-lo para a polícia, ou então dizia coisas ou provocações para as crianças ou para o próprio William.


Foram poucos os que enxergavam um lado diferente da mesma questão, e aceitavam ou deixaram para lá o fato de ele não ter ido lutar na guerra. E, ao longo do caminho eles acabam encontrando também pessoas realmente muito boas que os ajudam e cuidam deles, indo contra a maioria e também contra o governo e o que a guerra emprega.
Só acho que o momento em que o pai resolveu “mudar” de atitude foi meio inoportuno. Se ele fez tudo o que fez para chegar até ali, ficou meio esquisito deixar os filhos sem saber onde eles iriam terminar por livre e espontânea vontade. Teria sido mais correto e aceitável se ele mesmo tivesse procurado onde deixá-los antes de ser levado para outra realidade, ao invés de deixar o futuro deles depender da mão do destino ou de desconhecidos. E isso me incomodou bastante, tenho que confessar. Ele deveria ter lutado para ter um plano antes de se deixar levar e largá-los sozinhos naquele momento depois de tudo que passaram.


Todo mundo (ou a grande maioria das pessoas pelo menos) com certeza vai concordar comigo quando afirmo que toda e qualquer guerra foi um dos acontecimentos mais horríveis e tristes que já aconteceram no mundo. E as duas mundiais, por terem sido levadas para muitos territórios e com consequências bem pavorosas, são especialmente desoladoras. Então o pano de fundo desta obra é bem melancólico e também bastante reflexivo.
Gostei especialmente de Lizzie, que mesmo com sua pouca idade e tendo que enfrentar diversas situações ruins, ela nunca abaixou a cabeça ou desistiu de nada. Nem quando passou frio, fome, andou carregando peso, cansada, triste, etc. A menina sempre esteve cheia de coragem e força, além de ser muito leal e dona de um coração bondoso e cheio de amor pelo pai e pelo irmão mais novo.


Quando estava me aproximando do fim da história, fiquei bastante apreensiva com o futuro que ela ia tomar e o que aconteceria com alguns personagens. Uma coisa ruim ocorre, mas a consequência deste fato transforma a nova realidade deles em algo agradável dentro do possível. Então posso afirmar que fiquei bastante satisfeita com o rumo tomado e como a autora resolveu finalizar de fato a trama, com um final “feliz” do qual eu gostei bastante.
O título do livro pode parecer que não faz muito sentido para quem não conhece certos detalhes da Segunda Guerra Mundial, mas gostei imensamente da escolha dele porque representa também o nome de uma música escrita por Noel Gay, que ficou muito popular durante este terrível período.



No final do exemplar, depois de já finalizada a história de Lizzie e sua família, encontramos algumas páginas com ‘Notas da Autora’, onde ela nos explica que a trama que criou foi baseada em fatos reais, inclusive alguns dos locais em que passamos com os personagens realmente existem. Também nos passa dados e informações sobre pessoas como William, que se recusaram a lutar na guerra.
E há um ‘Posfácio’, escrito por Rui Tavares Maluf, comentando um pouco sobre a Segunda Guerra Mundial, pano de fundo da história, e sua relação com os acontecimentos do livro, que mostra uma realidade menos conhecida deste período conturbado.



Eu sei que já comentei isto diversas vezes aqui no blog, mas eu realmente não canso de admirar as obras publicadas pela Biruta e pela Gaivota, já que são todas maravilhosas, não apenas em relação ao conteúdo (que é sempre excelente), mas também quando levamos em consideração a parte gráfica. Todo o cuidado e carinho que eles têm com cada um dos exemplares que publicam refletem na beleza gráfica deles individualmente, fazendo com que seja impossível não desejar um por um todos os livros do catálogo.
Desta vez não foi diferente e a diagramação da obra está um verdadeiro arraso. Tanto é que já selecionei este livro como uma das capas mais bonitas da minha estante (e olha que eu tenho muitos títulos morando comigo!). Cheio de detalhes gráficos e ilustrações nas cores vermelho, preto e branco, é impossível não ficar admirando as páginas enquanto estamos lendo e nos deparamos com eles.


A história de “Fuja, Coelhinho, Fuja” acaba sendo um relato repleto de inocência de um ponto diferente da Segunda Guerra Mundial, vivido e visto pelos olhos de uma menina de apenas onze anos de idade, que precisa enfrentar diversas situações, ser forte e ganhar novas responsabilidades que outras garotas de sua idade, ou de qualquer outra, nunca nem mesmo vão ter que enfrentar na vida.
Com uma linguagem simples e direta, esta história delicada, sensível e cativante vai te emocionar e conquistar também, daquele jeito que fica em nossos corações e memórias por muitos anos, talvez para sempre. Super recomendado!
Avaliação



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Um comentário:

  1. Eu ainda não conhecia o livro, a sua é a primeira resenha que leio dele. Pelo titulo também imaginei algo mais infantil. Que bom que o livro te surpreendeu tanto. Pela sua empolgação na resenha, anotei ele aqui, se der eu vou ler.

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