Na Coluna In Our Living Room de hoje conhecemos um pouco mais sobre o autor Krishna Monteiro, autor do livro O que Não Existe Mais, publicado pela editora Tordesilhas.
Sobre a Autor: Krishna Monteiro nasceu em 1973, em Santo Antonio da Platina, no Paraná, e esteve rodeado de livros desde pequeno. Depois de graduar-se em economia e obter um mestrado em ciências políticas, optou por entrar na carreira diplomática, em 2008. Foi editor de textos literários da revista Juca – diplomacia e humanidades, publicada anualmente pelo Itamaraty, e cocriador do blog Jovens Diplomatas. Em 2010, tornou-se vice-chefe de missão da embaixada brasileira no Sudão. Morando pela primeira vez em terras estrangeiras, foi tomado por lembranças de outras paisagens e cenas de infância escondidas na memória, e começou a escrever contos, em parte inspirados em sua própria história, em parte inventados, que resultaram no livro O que não existe mais. Atualmente, é Cônsul Adjunto do Brasil em Londres.O que não existe mais é sua estreia como escritor.
Canais para se comunicar com o autor e saber mais sobre seus livro: Facebook .
Em nome do House of Chick, agradeço sua entrevista.
A cada dia consigo atribuir
significados diferentes aos livros, e como eles surgiram e se mantiveram na
minha vida, mas é certo que o modo como temos nossos primeiros contatos definem
o quanto fácil será nossa aceitação deles em nossas vidas. Como foi seu
primeiro contato com os livros, e você consegue se lembrar do primeiro livro
que leu?
Tive
a sorte de ter pais que valorizavam a leitura. O primeiro contato com os livros
ocorreu de forma natural, ao ver meu pai e minha mãe lendo, em casa. Minha mãe
era professora. Desde cedo, teve a sensibilidade de sugerir livros adequados ao
mundo de uma criança. Lembro que li muitos livros infantojuvenis, mas os
primeiros títulos que me marcaram foram os de Monteiro Lobato e Júlio Verne.
Gostava também do universo das antigas enciclopédias de antigamente, em
encadernações pesadas, com vários volumes.
A
transição para outro tipo de leitura aconteceu por volta dos 14 anos, quando
comecei a ler os livros de Herman Hesse. Um deles me marcou muito: Demian –
história da juventude de Emil Sinclair.
Refletindo acerca de tudo que
você já leu, e o que marcou sua história como leitor, quais são seus autores
favoritos? Quais as obras que ainda lhe trazem boas recordações e você
colocaria na lista de não morrer sem de ler?
Difícil
responder, há tantas coisas. Mas se fosse fazer uma lista de livros prediletos,
eu citaria Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar; Grande Sertão: Veredas, de
Guimarães Rosa; Guerra e Paz, de Tolstoi; O Exército de Cavalaria, de Isaac
Bábel; Rumo ao Farol, de Virginia Woolf; O Quarteto de Alexandria, de Lawrence
Durrell; As Ilusões Perdidas, de Balzac; Cem Anos de Solidão, de Gabriel García
Márquez; Conversa na Catedral, de Mário Vargas Llosa.
De leitor ávido a escritor
existe um caminho, embora eu particularmente acredite que quem lê muito acaba
querendo também colocar para fora o que te transforma, nem sempre é tão fácil
escrever aquilo que desejamos, como você deixou de ser apenas leitor para se
tornar escritor?
Sempre
quis escrever. Mas, durante muito tempo, senti que ainda não tinha vivido ou
amadurecido o suficiente para isso. Não que necessariamente os tenha agora
(risos).
Guardei
muitos escritos na gaveta, li livros de criação literária, rascunhei uma coisa
aqui, outra ali, joguei fora muitos escritos. Com o tempo, naturalmente, fui
encontrando alguns temas, situações, personagens, transpondo-os para o papel,
vendo como falavam. Acho que se trata de um processo de aprendizado e prática:
encontrar uma voz que você mesmo ache interessante, como leitor.
Qual é o papel do livro para
você? Um item de entretenimento, um convite à reflexão e à crítica, ou apenas
uma manifestação da sublimação do autor?
As
três coisas, em minha opinião. Se pensarmos em um livro como Cem Anos de
Solidão, veremos que ele é uma grande peça de entretenimento (a ponto de ter se
tornado um best seller), um convite à reflexão sobre a história e dilemas da
América Latina e, também, a manifestação de questões íntimas e pessoais de
García Márquez. Penso que o “grande livro”, aquele que chamamos de “clássico”,
consegue reunir de forma orgânica esses três elementos.
O Mercado editorial brasileiro
é tido como difícil e preconceituoso com os escritores brasileiros. Poucos são
os escritores que conseguem publicar seus livros, e ainda contam com divulgação
das editoras. Como foi o processo de publicação do seu livro?
Como
vivo fora do Brasil há alguns anos, não tenho muitas condições de fazer uma
análise responsável sobre o mercado editorial. Mas, vendo-o de longe, como um
observador curioso, percebo que há muitas editoras independentes surgindo e que
o espaço para autores nacionais tem aumentado, inclusive com muitas feiras e
eventos literários. Acho que isso é até mesmo um reflexo da maior projeção
literária do Brasil no exterior, que vem ocorrendo nos últimos tempos.
Durante
a escrita dos contos que compõem meu livro, eu os enviei para uma leitora
crítica (profissional que lê seus textos e emite um parecer sobre questões como
enredo, personagens, linguagem, vocabulário etc). Essa leitora sugeriu que eu
tentasse publicá-los e ofereceu-se muito gentilmente para intermediar o
processo junto a uma editora.
Acho
que o melhor caminho para quem deseja publicar um livro não é mandá-lo
diretamente a uma editora, mas sim submetê-lo à análise de um leitor crítico ou
de um professor de criação literária. Essas pessoas poderão dar orientações
muito úteis sobre o mercado editorial. Também existe a possibilidade de mandar
o manuscrito para a análise de um agente literário.
Pensando na narrativa
encontrada no seu livro, O que não existe mais, nos deparamos com um estilo de
escrita que eu defini como surrealista, onde as ideias se encadeiam como em um
sonho com lógica de detalhes próprios. Essa característica é algo que busca ou
que apareceu de maneira natural quando começou a escrever?
Sempre
penso no aprendizado da escrita como um processo de incorporação de
influências. Algo semelhante ao que fazem aqueles aprendizes que, nos museus,
sentam-se diante dos quadros de seus grandes mestres e tentam copiá-los. A
cópia sempre sairá imperfeita e nunca chegará aos pés do original. Mas,
executando-a, aquele que aprende a pintar adquire noções de cor, perspectiva,
composição. Aos poucos encontrará seu próprio estilo.
Acho
que, ao aprender a escrever, buscamos naturalmente como modelo autores que
admiramos como leitores. Com o tempo, incorporamos seus ensinamentos. Os
escritores de que mais gosto tem uma prosa bastante metafórica, carregada de
símbolos, com uma grande carga onírica.
De maneira geral escrever não
é um processo fácil, além de vocabulário, regras gramaticais, devemos ser
criativos e trazer um diferencial do que já existe no mercado. Esse processo é
difícil em um livro com muitas páginas, mas em um conto é mais ainda visto que
são poucas as páginas para comunicar o que um livro todo trabalha. Como é o
processo da escrita de um conto? Porque escolheu escrever contos e não um livro
de uma única história?
Em
minha opinião – e muitas pessoas podem discordar dela – o conto é um gênero mais
fácil de praticar para quem está aprendendo o ofício da escrita. O número de
variáveis é menor, as dimensões do tempo e espaço não se estendem tanto. Acho
que foi por isso que escolhi escrever contos, de início.
Meu
processo de escrita sempre surge com a ideia do personagem central do conto e
uma situação dramática em que ele está envolvido. Pode ser, por exemplo, um
galo de briga recordando sua vida (tema do conto “Quando dormires, cantarei”),
ou um personagem real, como o escritor Guimarães Rosa prestes a assinar um
pacto com o diabo numa encruzilhada de Minas (“As encruzilhadas do doutor
Rosa”, segundo conto do livro).
De
posse de um personagem e de uma situação dramática, a escrita flui
naturalmente, como se o personagem falasse por meio da voz de quem escreve e
soubesse a hora certa de contar e calar.
Com muitas camadas de
significado seus contos possibilitam algumas interpretações, assim como
trabalham com assuntos densos. Parece uma viagem ao inconsciente e suas
inúmeras facetas. Qual é sua fonte de inspiração? Existe algum tipo de teoria
ou autor que ajuda neste processo?
Sempre
gostei muito de escritores e pintores que lidam com símbolos, camadas e mais
camadas de significados. Acho que, com o tempo, fui incorporando intuitivamente
essas questões e temas, mas não saberia sintetizá-los numa teoria
específica.
O tema de seu livro é a
ausência/ falta, o que te motivou a escolher trabalhar com um objeto tão
profundo e que ainda é tão desconhecido embora presente da vida do ser humano? Como
é dar forma a algo que nos marca de forma tão profunda e ao mesmo tempo tão
silenciosa?
Aquilo
que você, na pergunta número 4, chamou de “manifestação da sublimação do autor”:
recordações e questões presentes em mim, que, de certa forma, me incomodavam, tinham
de ir para o papel para serem solucionadas. Nesse sentido, acredito que, ao
escrever, não escolhemos nossos temas, somos escolhidos por eles. Penso que
cada um de nós tem uma trajetória de vida distinta – feita de traumas, momentos
felizes – que marcam e fazem de você aquilo que é e surgirão naturalmente no
que for escrito. A “ideia” de um personagem ou de uma situação dramática,
assim, talvez seja apenas a manifestação de algo inconsciente, que deseja
falar, viver.
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