Praça da Sé, madrugada, um
carrinho de compras deixado a esmo com uma obra macabra, um corpo em pedaços
com acessórios a lhe enfeitar, uma xícara, uma garrafa de pinho vazia, e uma
pergunta que fica no ar, quem seria capaz de tamanho atrocidade? Eis o mistério
que ronda mais um pequeno notável, Os crimes do Dançarino da Sé, do autor brasileiro
Marcelo Antinori, publicado pela Bússola Pocket.
Um crime idealizado por uma mente
doentia que monta em um dos maiores cartões postais da cidade um altar com uma
mensagem implícita, ou ainda simplesmente uma obra de arte bizarra. Nosso
escritor continua a narrar em primeira pessoa sua vida na nada pacata cidade de
São Paulo entre suas ruas com um toque de crônica. Quando o crime acontece seu
interesse é superficial, nada o liga diretamente a ele, além de sua relação com
Ana Pérsia.
Mas sua mulher esconde algum
segredo, e as cartas do tarot mais uma vez jogam luz onde as sombras dominavam,
e de repente ele se vê mais uma vez de cabeça na política do crime organizado.
É muito explícita a mensagem do autor ao tocar neste assunto que liga
traficantes, a policiais, e até manifestantes. O escritor depois do episódio do
livro anterior tem sua parcela de ação nesse esquema através de propina em
construções, mas mais que isso ele acaba por ter um contato próximo com
Coutinho o líder dos criminosos. Para ele assumir esse lado corrupto parece
alimentar sua relação com Ana Pérsia, além de dar sentido e razão para os seus
dias.
Como no livro anterior a história
é breve, mas repleta de reflexão. Ao primeiro olhar podemos dizer que matar
alguém e deixar suas partes em uma praça trata-se de loucura, mas lhe pergunto
ser um indivíduo que financia o tráfico também não se assemelha a essa loucura?
Só porque o sangue não passa diretamente pelas suas mãos não trata-se também de
um crime que tira vidas? Ou então ser passível de ir contra a moral e a lei
para manter seu conforto e evitando o desprazer também não é uma loucura? O
personagem é esse paradoxo lidando diretamente com crimes e criminosos, e
questionando aqueles que são tidos como loucos da maneira comum.
O realismo da narrativa é muito
tátil, você consegue ler e imaginar a estória sendo feita em um noticiário
sensacionalista, tanto no que tange o crime quanto aos esquemas criminosos da
polícia e empresários. A história não vai aos extremos, não nos faz questionar
sua veracidade tamanho o senso de real que as palavras de Antinori trás, seja
através da palavras dos personagens, seja na praticidade de suas cenas.
A familiaridade com os
personagens que se repetem do livro anterior cria uma continuidade e aumenta a empatia
com estes. Carmen que é tia de Ana Pérsia por exemplo, é uma personagem bem explorada
e muito rica. Prática ela sabe o que quer e como conseguir o que quer sem
frescuras. Ana Pérsia é a cola que gruda o escritor ao submundo, mas neste
livro surge mais como narradora do que acontece, do que como personagem de
ação.
Quanto ao desfecho do livro, e a
descoberta do culpado é bastante satisfatória. Eu gostaria de ter ouvido um
pouco mais sobre o culpado do crime. A loucura da rotina e dos interesses do
escritor é bem explorada, mas a loucura de quem cometeu o crime passou um pouco
no superficial.
Os Crimes do Dançarino da Sé fala
sobre a alienação pessoal, o desatino em massa e ânsia por um significado maior, porque seja matando,
tendo uma amante ou pagando propinas, todos os personagens deste livro e de
nosso mundo querem apenas uma coisa, a promessa da falsa felicidade a qualquer
custo!
Avaliação
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