O Menino que Nadava com Piranhas – David Almond

Stanley Potts é um menino bom e doce, que perdeu os pais cedo e, por isso, encontrou uma nova família com sua tia Annie e seu tio Ernie, irmão de seu pai. Eles três moravam juntos na Alameda do Embarcadouro, nº 69, e levavam uma vida normal, até que tudo virou uma loucura.
Tudo começou com o fechamento do estaleiro Simpson, que funcionava no rio da cidade há muitos anos e empregava boa parte da população local. Os homens da família Potts trabalhavam lá desde tempos remotos, ou seja, o tio Ernie trabalhava lá, assim como seu irmão, pai de Stanley, o pai deles, o pai do pai e assim sucessivamente. Quando as portas fecharam e todos os homens da cidade ficaram desempregados, alguns arrumaram outros empregos, outros simplesmente desistiram e definharam, alguns buscaram apoio na bebida, outros se voltaram para o crime. Mas não Ernest Potts, este tinha um grande plano.
Um belo dia, revoltado com sua perspectiva de futuro, o senhor Potts teve uma absolutamente brilhante ideia: uma fábrica de peixes enlatados para produzir as “Espetaculares Sardinhas Potts, Magníficas Cavalas Potts e Perfeitos Arenques em Conserva Potts”. E foi aí que tudo começou a mudar e ficar muito esquisito, a ideia fascinou tanto Ernie, que ele simplesmente transformou toda a casa em uma grandiosa fábrica, cheia de máquinas e equipamentos barulhentos e fedidos.

Mas isto não foi o pior de tudo, sua loucura obsessiva acabou encontrando um outro rumo e Ernest fez uma coisa inesperadamente absurda e cruel que acabou afetando negativamente seu pequeno sobrinho. Então Stan não vê outra alternativa a não ser fugir de casa e resolve ir embora, deixando tudo e todos para trás.
Nesta nova jornada de sua vida, Stanley acaba conhecendo pessoas boas, outras excêntricas, e, sendo o mais relevante de todos: o legendário Pancho Pirelli, um homem que tem uma grande fama por nadar em um tanque cheio de perigosas piranhas e sair vivo e intacto.
Ele encontra em Stan algo de especial, uma vocação. Mas será que o menino Stanley vai ter a coragem necessária para também entrar em um tanque cheio de piranhas e nadar com elas? E será que a coragem basta para ele também sair ileso de um risco de vida tão grande como este? E agora, qual será o destino de Stanley Potts? Ele saberá escolhê-lo sabiamente?
A primeira coisa que me chamou atenção neste livro foi a capa, simplesmente porque, além de linda, me remeteu a um outro livro que li em 2014 que teve a capa ilustrada pelo mesmo profissional talentoso: Oliver Jeffers. Por já conhecer o trabalho dele e por ter gostado tanto deste outro livro (A Coisa Terrível que aconteceu com Barnaby Brocket, de John Boyne), eu fiquei empolgada para ler “O Menino que Nadava com Piranhas” e, quem sabe, gostar tanto quanto?

Além do mais, para a minha empolgação ficar completa, este livro aqui foi escrito por David Almond, ganhador do prêmio Hans Christian Andersen, “o mais importante prêmio internacional para autores de livros infantis”.  Então, esta parceria não poderia ser menos do que ótima, certo?! E, depois de terminada a leitura, posso afirmar que este trabalho realmente é muito bom e vale muito a pena. Quer saber os motivos? Continue lendo a resenha!
A história de Stanley Potts é extremamente fofa, além de admirável, porque transmite muitas coisas boas ao leitor, principalmente aos pequenos que estão na época de formação de caráter, e para quem o livro é oficialmente destinado.
Algumas das características que vamos encontrar durante a leitura são: saber lidar com a perda, seja ela de parentes, animais de estimação ou ‘a vida como ela é’; encontrar coragem dentro de si para enfrentar qualquer obstáculo, incluindo as adversidades que todo ser humano encontra em seu caminho; aprender a amar e respeitar o próximo, por mais que ele seja diferente do que você está acostumado; criar amizades; buscar ser feliz; lutar pelo que quer; saber se arrepender do que fez de errado e buscar se redimir de peito e coração aberto; entre muitas outras coisas.
Tudo isso é apresentado de forma sutil, enriquecendo o texto ao mesmo tempo em que inspira o leitor a buscar algo melhor, incluindo ser melhor. Gostei muito de como o autor soube desenvolver uma trama em cima de tudo isso de um jeito bem prazeroso de acompanhar.
“Quanto a mudar... O que acontece é que você não vai se transformar num Stanley Potts completamente diferente. Você vai ser o velho e o novo Stanley ao mesmo tempo. Vai ser o Stan da pesca ao pato, o Stan do tempo da Alameda do Embarcadouro e vai ser o Stan novinho em folha que nada com piranhas. Seja tudo isso junto, ao mesmo tempo, e é aí que vai estar sua verdadeira grandiosidade.”

Claro que meu personagem preferido é Stanley, este menino bondoso, carismático e meigo, que também é muito corajoso. Sua jornada exterior foi tão grandiosa quanto a interior e foi muito bacana acompanhar esse desenvolvimento e amadurecimento dele.
Mas posso afirmar que gostei de todos os mocinhos criados por David Almond, com destaque para a tia Annie, que é uma querida, e sr. Dostoiévski e Nitasha, que ajudaram bastante nosso pequeno Stan no momento que mais precisou.
Os “vilões” da trama são engraçados e caricatos (inclusive falam errado!), e gostei do “final” que o autor decidiu escrever para eles, que vou deixar vocês lerem para saber o que aconteceu para não estragar nada.
Também adorei o narrador deste livro, que apresenta a história de uma forma agradável e ainda conversa com o leitor em muitos momentos de um jeito bem descontraído e adorável, ótimo para as crianças que forem lê-la ou ouvi-la.
“... vamos viajar através da noite e nos aproximar daquele lugar. Como poderemos fazer isso?, você deve estar perguntando. Mas é fácil, não é? Bastam algumas palavras colocadas em algumas frases e um pouco de imaginação.”

A escrita de David Almond, aliás, é deliciosa, leve e envolvente, além de bastante fluida, e gostei do uso que ele fez da metáfora em alguns trechos. Todos estes pontos positivos juntos fizeram com que as páginas fossem rapidamente avançadas e ainda nos deixaram com um gostinho de quero mais no final.
Por falar nisso, curti o fim deste volume, que teve um tipo de fechamento ao mesmo tempo em que ficou em aberto para deixar nossa imaginação correr solta. Eu só consigo acreditar em mais coisas boas vindo no futuro dos meus personagens preferidos.
O único ponto que me incomodou foi que no começo houve uma parte meio estranha no momento da fuga de Stanley. Afinal, ele passou por um problema grande e, ao invés de conversar com alguém sobre isso para poder se sentir melhor e voltar para casa, ele simplesmente decide fugir com duas pessoas que ele nem conhecia. Claro que ele teve sorte de ter encontrado gente com ótima índole que só queria lhe fazer bem. Mas, na vida real, este poderia não ser o caso. Talvez eu teria aceitado mais caso a família dele já conhecesse estas pessoas e elas não fossem estranhas, ou se a tia, por exemplo, tivesse seguido com ele em sua escapulida, ou algo do tipo.

Ainda mais porque Stanley é apenas uma criança, e muito ingênua, deveria ter encontrado mais conselhos dos tios (ou pelo menos da tia – quem for ler vai entender o que quero dizer) e uma supervisão maior antes de sair triste e magoado sozinho pela cidade. Em outros momentos ele confiou em mais gente que ele nunca tinha conhecido antes e isso me incomodou novamente porque não tinha ninguém nestas horas para ter certeza de que a pessoa era digna de confiança.
Eu sei que este é um livro infantil de ficção, mas, mesmo assim, acredito que crianças pequenas não sabem distinguir direito o que é certo do errado, o que é real e o que é só inventado no papel, e uma leitura voltada para esta faixa etária acaba influenciando os mais novos, e, neste ponto, pode ter uma influência negativa. Então recomendo que o adulto que for ler este livro com a criança, deva alertá-la deste ponto, para que ele também não sinta vontade de fugir quando algo der errado, e não confiar em ninguém que não seja a família próxima.
A leitura de “O Menino que Nadava com Piranhas” é super fofa, gostosa e envolvente, e traz um protagonista incrível e extremamente carismático que conquista qualquer um com seu jeitinho todo especial de ser, além de personagens memoráveis. Se for presentear uma criança, aconselhe-a sobre os pontos que comentei aqui em cima. Super recomendado!

“E o que você faria se alguém caísse do céu e lhe dissesse que você era alguém especial? Que você tinha um talento especial, uma habilidade muito especial e que, se tivesse a coragem de usá-la, poderia ficar famoso, poderia ser grandioso, poderia deixar de ser você para se tornar um tipo muito especial de você? [...]
Você teria coragem e ousadia?
Enfrentaria seus medos? [...]

Não dá para responder, não é? Não mesmo. Só dá para saber o que você faria no momento...”
Avaliação



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Um comentário:

  1. Eu tenho um filho menino e concordo muito com um ponto que tu comentaste, que é superimportante essa ponte que o autor faz com a criança, não só narrando a história mas falando diretamente a ela. as vezes a criança se perde ou não tem muita paciência e esses pontos fazem ela focar novamente na história e se sentir importante. Bem legal!

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