Acho que uma das coisas que me
fascina ao ler e ouvir as pessoas é ver a mudança acontecendo nelas, seja
amadurecimento psicológico, seja como no caso no processo de escrita. Claro que
não faço parte do processo, mas lê-lo dá a sensação de que de alguma forma
estava lá quando aconteceu. No segundo volume de Cerberus- O Diabo pede Carona,
do autor Leonardo Monte, da editora Literata esse crescimento é visível.
Voltamos as entranhas de
Cerberus, a escola com quem resistiu a uma grande mudança na Terra e visa
treinar seus alunos contra os extraplanares (criaturas que vieram de outras
dimensões e destruíram a Terra). O diretor da escola, Izidro desapareceu em uma
missão, e padre Francisco assumiu o
comando. Tirano, ele transforma a escola em um lugar horrível para se viver, a
ponto do bando de Renan preferir arriscar suas vidas fora dos muros da escola,
do que permanecer.
Sem ideia do que os aguarda,
Renan e seus amigos buscam pelo antigo diretor, ao mesmo tempo em que tentam
conquistar sua liberdade. Falhar não é uma opção, não alcançar seu objetivo
significa derramamento de sangue e sofrimento, já que a volta de mãos abanando
significa forca! Será que os Águias sem Medo conseguem vencer o que os aguarda
do lado de fora?
Como comentei na introdução
podemos ver o amadurecimento na escrita de Monte, sua narrativa se tornou mais
complexa do ponto de vista estrutural. Não é uma história escrita de forma linear,
ou seja, temos como centro a missão do bando, mas pequenas histórias começam
paralelamente (acompanhamos Nancy e Pedrão em seus dramas), e com o andar da
trama elas confluem em um mesmo rio.
Alguns temas diferentes são
questionados no livro, o primeiro e mais importante é sobre as verdades que
compramos como nossas a partir de pessoas mais velhas e ditas experientes.
Muitas vezes essas ideias são vendidas de acordo com opiniões pessoais ou interesses,
e não nos damos conta. O bando percebe isso quando tem maior contato com um
extraplanar que os faz questionar o que acreditam.
A confiança também é um ponto
trabalhado. Confiar não é e não pode ser um ato pautado no sentimento ou
necessidade, mas na crença de que diante dos defeitos que você conhece no outro
você acha que este é capaz de superá-las e ser digno de sua confiança. Quantas
são as pessoas que você entregaria sua vida? Existe alguém com essa
credibilidade? O bando acreditava que sim, mas Baltazar em seus breves
discursos os fez crer que não!
A mitologia já presente no livro
anterior foi mais trabalhada, e colocada diante da moral cristã. O dualismo que
o cristianismo prega de criaturas boas ou ruins é marcante, mas questionado
também, afinal não somos apenas bons ou maus, somos um dualismo constante onde
um dos lados sobrepõe o outro, mas nunca é único. Uma nova classe de demônios
aparece: os gabordes.
Cenas fortes são frequentes e bem
exploradas. Confesso que meu estômago se revirou um pouquinho em determinadas
cenas! Em especial uma que envolve uma prova de vida ou morte com o personagem
Renan. Toda a ação é focada na sobrevivência, não apenas na sobrevivência
pessoal, mas do grupo.
A fé também é colocada no palco,
é fácil acreditar em Deus dentro do conforto de seu quarto, mas quando você se
vê em meio a demônios e segundos que separam sua vida da morte essa palavra
ganha dimensões diferentes, e isso é crível nas palavras de Leonardo.
Os fantasmas de cada membro do
bando estão presentes, além das criaturas que os cercam são seus medos e o passado
o que mais devem enfrentar. Não há um protagonista, todos aparecem de forma
quase igual e com mesmo destaque, o que promove a sensação de unidade do grupo.
A única falha que encontrei foi o
desfecho que se deu de forma muito rápida. Gostaria de compreender mais a
respeito do vilão, entendi seu passado, mas não como é que ele terminou como
estava no fim. Cheguei a pensar que ele nem sequer era humano, e senti falta de
um pouco mais de dados a respeito, e sobre seus atos.
Os erros de revisão frequentes no
volume anterior quase não apareceram nesse volume. Ainda acho que as capas
deveriam ter uma qualidade melhor, o livro pede por isso. O autor já disse que
está escrevendo o próximo volume e aguardo curiosa para saber o que ele
pretende explorar nesse universo.
Mais uma vez Leonardo nos brinda
com uma obra de qualidade, que permite uma fobia do escuro e uma vontade de ter
uma espada em mãos, mas mais que isso em meio a sangue, violência e vida
podemos questionar nossa posição diante da vida, e conviver melhor com aquilo
que nos assombra.
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