Kaputt - Guazzelli


Kaputt é uma palavra pequena, mas tem um grande e pesado significado: “quebrado, acabado, destroçado, deteriorado”, e representa muito bem este livro, mostrando a crueldade que é a Segunda Guerra Mundial, apresentada de forma fria, triste e dolorosa, por Curzio Malaparte.
Malaparte é o pseudônimo de Kurt Erich Suckert, jornalista, escritor e diplomata italiano, que lutou na Primeira Guerra Mundial e ganhou várias medalhas antes de se tornar jornalista em 1915. Por conta desta carreira, ele foi enviado para acompanhar e cobrir a Segunda Guerra Mundial pelo Jornal Corriere della Sera, e foi desta experiência que ele extraiu a inspiração para escrever o livro Kaputt, misto de reportagem e ficção, que traz “um retrato devastador da humanidade”.

Eloar Guazzelli Filho, importante e premiado ilustrador e quadrinista brasileiro, depois de releituras em diferentes idades, entendeu que o livro de Malaparte é uma verdadeira obra-prima e decidiu adaptá-lo para os quadrinhos. E é o ótimo trabalho que ele teve com este exemplar que vou comentar aqui.

Este livro é devastador, só não vou dizer que é tanto quanto a guerra, porque nada nunca pôde ser comparado a uma guerra, não nestes termos, nem mesmo relatos sobre a mesma. E mostra uma nova perspectiva dos terrores da guerra, porque acompanhamos cenas reais representadas por imagens e narração chocantes.

Mostra os dois lados de uma mesma guerra, o dos governantes e outros que se consideravam e agiam como superiores, que buscavam uma “civilização perfeita” e as consequências disto, com terror, fuzilamentos, matanças; e do outro o povo, os pobres, os judeus, os animais, suas mortes, seus sofrimentos, suas tentativas de fuga, muitas delas frustradas.

Viajamos por diversos lugares, passamos por cenários assolados pela guerra, chacinas sem piedade de humanos, incluindo crianças e idosos, e animais. E também acompanhamos jantares e conversas dos abomináveis ricos que consideravam estas atitudes a forma correta de lidar com quem eles não consideravam “puros”.

A quantidade de páginas pode ser pouca, as frases podem ser curtas, mas a dor transmitida por esta HQ é muita. Provavelmente eu não conseguiria ler a obra completa de Curzio Malaparte, simplesmente porque não estou preparada para ela. Apesar de saber da crueldade do ser humano, ler relatos verdadeiros a respeito de cada pedacinho aterrorizante da guerra, é demais para eu aguentar de cabeça fria. E admiro aqueles que conseguem fazê-lo sem sofrer tanto quanto eu sofreria.

A leitura aqui não segue uma linearidade e o autor muda o tempo e o cenário várias vezes, nos levando a encarar momentos bem diferentes, mas igualmente terríveis daquele período ordinário.
A linguagem é poética e arisco-me a dizer, bela, uma pena que as palavras representem tanta crueldade e, juntas, transformem-se neste significado aterrorizante que são milhares de mortes de inocentes.

A tristeza é que, se pararmos para refletir sobre algumas coisas, certos pensamentos e ações daquele período terrível ainda estão presentes nas mentes de muitas pessoas, talvez não de uma forma tão abrangente (em todos os lugares) a ponto de guerrilharem nas ruas e devastarem todos os seres humanos existentes em um local, mas tão cruéis quanto, já que as pessoas podem e, muitas vezes, são tão horríveis assim. Ainda existem crimes intensos, preconceitos ordinários e ações absurdas por questões tão ridículas quanto. Quando o povo vai aceitar que cada um é diferente do outro, mas, ao mesmo tempo, igual? É triste em pleno século XXI ainda existirem pessoas tão, desculpem a palavra, babacas quanto as existentes nos séculos anteriores. E, ainda mais desolador, é ver o que elas fazem por conta de seus ódios inexplicáveis com os próximos.

Esta edição é extremamente bonita, a capa é simples e notável ao mesmo tempo, e representa perfeitamente bem o assunto do livro. A versão impressa tem o formato grande, com 28,00 cm x 21,00 cm, as folhas são grossas e amarelas de um material muito bom, a impressão é de qualidade e a capa é em soft touch (emborrachada).

Os traços parecem simples à primeira vista, mas na verdade são bem elaborados e conseguem transmitir os sentimentos que o autor quis passar com seu texto ou, em alguns casos, com seu silêncio. Não há um único padrão de ilustração, alguns traçados são retos, outros em estilo aquarela e alguns ainda parecem lápis, mas não posso dizer com certeza sobre cada nuance de ilustração que há aqui, pois eu não conheço muito bem a área. Tão pouco ele fica preso a apenas o preto e o branco, e, por mais que estas duas cores tenham sido predominantes na maior parte da HQ, a predominância de azul e roxo são encontradas em diversas páginas.

Confesso que, apesar de ser uma obra relativamente curta – tem cento e oitenta e quatro páginas, com pouca quantidade de texto em muitas delas e nenhuma em outras diversas –, a leitura é tão densa que eu tive dificuldade de transmitir o que senti em novas palavras para apresentá-la nesta resenha. Mas espero ter conseguido passar pelo menos uma parte dos meus sentimentos para que vocês, que são interessados no assunto, tanto de Segunda Guerra Mundial, quanto qualquer outra, ou uma HQ com um assunto sério e que, infelizmente, faz parte da nossa História, tenham pelo menos o mínimo de interesse nesta leitura. Porque, se o fizerem, vão perceber que ela é muito mais do que eu esperava e consegue nos tocar fundo com suas palavras e ilustrações. Realmente recomendo bastante esta adaptação de Kaputt feita por Guazzelli.

Avaliação



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