Nem sempre o primeiro livro de um
autor já releva todo seu talento, a grande maioria deles mostra seu potencial
de crescimento. Não estou surpresa em dizer que John Boyne é genial desde seu
primeiro livro O Ladrão do Tempo, publicado pela editora Companhia das Letras.
Matthieu Zéla é um jovem francês
que se viu sozinho em Paris com seu meio-irmão pequeno, após perder sua mãe
brutalmente morta pelo padrasto, ele parte para Inglaterra em busca de uma nova
vida. No navio ele conhece outra jovem órfã, Dominique Sauvet, e juntos eles
começam uma nova vida em Dover. Essa estória soaria normal se no final do
século XVIII, Zéla não tivesse parado de envelhecer com apenas cinquenta anos.
Mais de duzentos anos depois ele narra sua trajetória repleta de amores,
perdas, e desventuras com algumas figuras ilustres da história do mundo.
Que premissa ótima para um livro
senhor Boyne! Conseguir narrar sua estória em primeira pessoa através de
Matthieu no tempo, sem que para o ser centenário seja um vampiro, mas sim um
simples homem! Poderia dar errado, mas não deu, é envolvente, criativo e
realista, muito realista. Salvo o fato do protagonista não envelhecer, todo o
resto é muito real!
Durante o livro acompanhamos duas
linhas do tempo, uma fixa que se inicia quando a mãe de Zéla falece através das
mãos do padrasto e ele se vê com a obrigação de cuidar do irmão de cinco anos mesmo
tendo apenas quinze anos, e segue com seu envolvimento com Dominique em diante.
E outra linha que se passa no ano de 1999, onde ele é investidor de uma
emissora de televisão, e acaba envolvido em uma trama sem querer, além de arcar
com os problemas do sobrinho famoso. No meio destas linhas do tempo, Matthieu
intercala diversas estórias em diversos momentos dos séculos, como quando se
tornou amigo de Chaplin, ou funcionário do Papa Pio IX, ou acompanhou a quebra
da bolsa de NY, e em diversas partes do mundo.
A maior característica de toda a
sua vida é a morte, seja diretamente, seja sem sequer estar perto o fato é que
Zéla perde sucessivas esposas (ele teve 19 se não estiver errada) e sobrinhos
(durantes todos estes anos um Tommy sempre está presente e nos cuidados do
mesmo). Estes sobrinhos nunca chegam a ficar velhos, sempre morrem jovens e
deixam seus filhos. Desta trama cheia de mortes começam a nascer as teorias de
porque Zéla não envelhece, e esta é uma das graças do livro.
Matthieu é um homem prático desde
o início, embora tenha sofrido desde a morte do pai e depois da mãe, foi
pontual em traçar um plano de vida para cuidar do irmão, não para sua vida para
lamentar. Os fatos acontecem sucessivamente em sua vida e ele sempre busca
oportunidades de crescimento, portanto logo ele se vê rico, e tentando sempre
multiplicar seu dinheiro. É fiel a sua família, que no caso sempre se resume ao
sobrinho, que em sua grande maioria trata-se de um jovem inconsequente e sem
juízo.
Por já ter vivido por tanto tempo
ele não tem medo de nada, e ao contrário do que a maioria dos personagens muito
velhos costumam narrar, ele é feliz e satisfeito com a vida. Ele gosta de poder
viver mais e mais. E tem certa sorte em atrair mulheres, mas não em mantê-las!
Embora com 561 páginas o livro
flui bem, já que sempre temos novas estórias para envolver o leitor. Nunca é
cansativo, pois Zéla tem uma vida muito variada e interessante ao longo de sua
linha do tempo. Vivendo em diversos locais, executando diversos serviços e
envolvido em variados problemas, não existe espaço para tédio.
Além de que cada trecho desta
imensa narrativa nos propõe reflexões, afinal alguém que atravessou alguns
séculos tem perspectivas muito diferentes daqueles que tem o tempo de vida
contado, algumas coisas ele já conhece o final.
A beleza das narrativas de Boyne,
nunca é o final, a explicação, mas o caminho, o modo como ele cria seus
trajetos. Aqui não é importante o porque de o personagem não envelhecer, e digo
que já desde o começo isso se tornou supérfluo para mim, já que o que salta aos
olhos é como ele consegue criar uma colcha de retalhos que forma uma peça
única, e não diversas estórias soltas. Como ele consegue construir um personagem
rico a partir de tantas experiências. Isso tudo de forma simples, sem grandes
artifícios da escrita, eu diria usando de sinceridade e sensibilidade apenas.
O Ladrão do Tempo talvez não
agrade a todos, mas com certeza vai agradar aos que gostam de bons livros e
boas estórias. É sem dúvida meu segundo livro favorito do autor, só perde para
o Palácio do Inverno que teve uma beleza a mais. É uma viagem pela história do mundo, e pela
vida de alguém que viveu intensamente tudo que a vida podia lhe dar. Parabéns
Boyne, mais um livro seu para minha lista de favoritos!
Avaliação
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