Para Toda Eternidade - Caitlin Doughty

Até o começo do século passado o lugar da morte na sociedade era dentro das casas e em família, com o passar do tempo e com o avanço dos hospitais ela passou a ser vista como contagiosa e a ser isolada das pessoas que passaram a cada dia lidar menos com a mesma. A morte é a única certeza em nossas vidas, e mesmo assim desperta surpresa quando acontece. Para Toda Eternidade, da querida Caitlin Doughty, publicado pela Darkside Books, trabalha com este tema espinhoso e com uma visão de como ele é tratado ao redor do globo.

Depois de trabalhar por alguns anos em um crematório, Caitlin abriu sua própria agência funerária, com uma visão própria sobre o processo ela é vista como alguém não grato para os grandes negócios da indústria da morte. E com o objetivo de mudar a compreensão sobre a morte Doughty viajou para diversas partes do mundo para testemunhar como a morte é tratada em outras culturas. Não existe um modo  já determinado de fazer e entender a morte. O objetivo foi ainda através de seus relatos ajudar as pessoas a resgatar o significado e a tradição das comunidades.

Nos Estados Unidos uma vez que o indivíduo morra existe um roteiro a ser seguido, um caixão a ser comprado, uma funerária a ser contratada e poucas opções a ser escolhida: cremado ou enterrado, embalsamado ou não. Qualquer coisa como cremação em uma pira ou preparação do corpo pela família foge as regras, e é praticamente proibido e mal visto, isso porque muito dinheiro é ganho com todos estes detalhes, e essa indústria não quer abrir mão deles.

Caitlin nunca concordou com esse ponto de vista e através de seus estudos percebeu que este comportamento é da sociedade moderna e que não é uma regra pelo mundo. Ela não citou, mas sinto que o Brasil embora siga muitas das etapas americanas ainda deixa seus mortos muito mais próximos de suas famílias em seus velórios, por exemplo. Partindo para locais onde a relação com os mortos é oposto, ou diria radicalmente diferente da americana, a autora conseguiu transmitir com riqueza de detalhes quanto é importante que a família vivencie seu luto com a mão na massa, e que não terceirize todo o processo, já que não estar presente pode criar uma ilusão de que a morte não aconteceu. A morte não é uma vergonha e não é algo que deva ser escondido, é sim parte inevitável e certa do ciclo da vida, e quanto mais o ser humano lidar com ela, melhor suas chances de ter uma vida boa!

Ainda que aberta para o que estava por vir, e conhecendo superficialmente a tradição, conhecer em detalhes a tradição da Indonésia, em Tana Toranja durante o ma'nene' é uma leitura impactante. Nunca se está preparado para ler que famílias inteiras desenterram seus mortos para passar seu tempo com eles, sim, eles a cada tempo escolhem seus familiares que cuidadosamente trocam de roupa, e chegam até a tirar fotos com eles. Como se isso não fosse estranho o suficiente existe o relato de um homem que passou anos de sua infância dividindo a cama com o avô morto. Isso que é lidar bem com a morte!

Já na Carolina do Norte uma universidade tem algo que podemos chamar de fazenda de ossos. Para estudos forenses eles deixam cadáveres 'jogados' pelas matas para que eles se decomponham de diversas formas que depois são investigadas, no mesmo local também estão sendo feitos testes de enterros naturais que visam que até os ossos se decomponham em curto período sendo assimilados totalmente pela terra. É um projeto muito interessante já que tanto enterros quanto cremações deixam resíduos tóxicos no ambiente.

No México o dia dos mortos já é bem conhecido pela proximidade que as famílias têm nos cemitérios onde seus parentes estão enterrados. Já na Espanha é permitido que as famílias passem dias inteiros com seus mortos desde que eles estejam locais como 'estuque de vidro', é muito similar aos velórios brasileiros, mas sem que ninguém toque no morto.

O Japão têm uma ritualística mais  profunda com a morte, na cremação, por exemplo, ao contrário do que acontece na América, o corpo não é queimado até restar quase nada, lá os ossos são deixados e depois separados pelas famílias. é um ritual que as mesmas realizam e ajudam na assimilação da morte. O país é o que mais crema seus mortos, e têm diversas inovações quanto ao modo de guardar o que resta deles, assim como de fazer velórios em locais que parecem hotéis.

Por fim, outra cultura que chamou atenção foi na Bolívia com suas ñanitas, que são cabeças sejam apenas no osso sejam cabeças mumificadas que alguns moradores têm e que podem realizar pedidos. Em novembro é realizada a fiesta de las Ñanitas, onde os donos podem exibir suas cabeças e até pedir benção de padres.

Caitlin tem uma maneira peculiar de ver a morte, quase tudo é normal e aceitável desde que tenha significado, mas ao mesmo tempo que ela parece aberta a tudo ela têm momentos engraçados quando é convidada a tirar fotos com um morto na Indonésia, afinal o limite de bizarrice existe. Não conheço alguém que ao mesmo tempo que respeite leve a morte com tanta naturalidade no seu manejo. Ela é engraçada e leve, é envolvida nos processos e quer transformar não só a indústria, mas o modo com as pessoas lidam com a morte.


Para Toda a Eternidade continua a saga de Doughty no mundo da morte, embora trate de temas tão dolorosos consegue trazer novas perspectivas para lidar e vivenciar o processo. É uma leitura excelente, mas talvez não para todos pois conta com detalhes físicos que podem despertar gatilhos em algumas pessoas. É uma leitura transformadora que acrescenta no leitor não só informação, mas crescimento, já que instiga pensamento e promove transformação.

Semana passada a autora lançou seu último livro, Will my Cat eat my eyesballs? completando o que ela chamou de Corpse Trilogy, não vejo a hora que a Darkside traga para o Brasil mais uma obra desta mocinha!

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