Eu simplesmente adoro quando um
livro abre possibilidade para mais de uma explicação quanto a sua proposta, já
que nem sempre deixar tudo explicitamente é a melhor forma de criar uma
estória, especialmente quando ela trabalha com conteúdos do inconsciente de
pessoas machucadas. Em A Menina que Semeava, do autor americano Lou Aronica,
publicado por aqui pela editora Novo Conceito, temos uma relação familiar
bastante conturbada e que fala exatamente sobre aquilo que nunca é dito.
Becky é uma adolescente de
quatorze anos, e fazem apenas quatro anos que um furacão passou em sua vida
após a separação do pais. Após esse evento a relação que antes era muito
próxima com o pai, passa a ser como a de dois estranhos que não sabem comunicar
o que sentem. Após acidentalmente a jovem ir para o mundo criado na sua
infância, ela e seu pai terão que correr contra o tempo para este mundo não
morrer. O que eles não sabem é que a fantasia e a realidade estão mais próximas do que nunca!
Narrado em terceira pessoa sob o
ângulo de vários personagens, mas especialmente de Becky, seu pai Chris e a
princesa Miea, essa trama parece simples ao se ler a sinopse, mas ela é tão
cheia de camadas e significados que deixa o leitor investigando a qual linha a
estória pretende seguir. Ela pode ser uma fantasia, onde mundos paralelos
existem a partir da imaginação de um pai e uma filha, e isso é alimentado por um
personagem que distribui dons, mas também pode ser um recurso do inconsciente
de uma menina que está perdendo o controle de sua própria saúde, e pode soar
como um escape mental.
Tamarisk, o reino criado pelo pai
na infância de Becky quando ela enfrentava uma leucemia, é bastante
diferenciado, embora siga com o modelo de monarquia, as semelhanças com outras
fantasias para ai. Desde as denominações de lugares, alimentos e criaturas, até
as regras do mundo são bastante únicas. Focada muito no reino vegetal e animal,
atribuindo grande inteligências aos animais mas sem dar voz a estes, este lugar
tem toda uma atmosfera criada por uma criança pequena e seu pai. Coisas como
uma madeira que tem as cores do arco-íris, e um meio de transporte que é um
pássaro de três metros são algumas delas.
Ao mesmo tempo que temos estas
partes mais leves, quando uma doença assola o lugar, tanto a vida normal de
Becky, quanto suas visitas a Tamarisk começam a ter uma forte carga emocional.
A narrativa já começa assim, com Chris o pai sentindo falta de sua filha
revendo videos antigos dela, e durante todo o livro essa separação só trouxe
sofrimento a ele, a filha que sentiu que o pai se afastou dela sem maiores
explicações, e a mãe que não soube lidar com a bela relação entre pai e filha.
Aos poucos pai e filha começam a
estabelecer novamente pontes, mas a dor continua lá, o medo da perda e da
passagem do tempo. A relação delicada entre os dois é bastante explorada,
especialmente do lado do pai que não compreende como uma mãe quer privar sua
filha de um pai dedicado. Somado a isso a avassaladora doença de Becky.
Um problema do livro é seu ritmo,
ele demora muito a de fato acrescentar informações a estória e a acontecer
algum evento significante. E mesmo nos momentos no outro mundo o autor não dá
ênfase em apresentar com muita riqueza de detalhes este universo que veio do
imaginário, já que o olhar de Becky e Chris conhece muito do que veem porque
foram eles que criaram.
Alguns capítulos são encharcados
de tristeza, de uma jovem que sabe que vai morrer, de pais que não sabem como
lidar com os últimos dias, mas o que parece óbvio não foi o final. Achei o
desfecho acalentador, e claro aberto a leituras, já que a interpretação do
mesmo pode ser diferente para cada leitor.
A Menina que Semeava é um obra
carregada de sentimentos e emoções do começo ao fim, sem perder por isso uma
certa inocência de seus personagens. É muito realista quanto ao que acontece a
um casal quando se separa, e a uma criança que vive entre eles, ao mesmo tempo
que uma doença assombra a todos. É uma estória de amor em família com muita
sensiblidade, afinal o amor é para sempre!
Avaliação
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