No Brasil Colônia, a fazenda de
Capela recebe um novo lote de escravos, e entre eles Sabola, um jovem que não
compreendia a língua de seus senhores e o prazer dos mesmos em fazer sofrer
seus semelhantes. Depois de uma reprimenda Sabola decide que vai fugir, e conta
com a ajuda de um velho escravo da fazenda. Mas nem tudo sai como o esperado, e
com sua morte prematura outros forças desconhecidas pelos brasileiros vai
nascer, e com ela uma lenda que vai permanecer.
DeBrito narra sua estória em
terceira pessoa sob diversos pontos de vistas, ora de Sabola no início da
trama, ora de algum dos filhos do dono da fazenda, ora de alguns de seus
funcionários, nos permitindo assim uma visão completa e de conjunto de todos os
aspectos e personagens envolvidos na narrativa. Tudo é muito bem amarrado tanto
na linha do tempo, quanto nas explicações dos fatos.
A proposta do autor era criar uma
estória crível, o mais próxima de uma realidade que fosse a origem da lenda do
saci- pererê, utilizando todas as suas características e referências originais,
e seu objetivo foi alcançado com sucesso, pois de fato encontramos todas as
principais características no livro, desde a crina dos cavalos trançados, até o
seu famoso cachimbo. Tudo de uma maneira natural, sem que seja necessário abrir
mão da realidade.
Sabola é o nosso protagonista que
veio da África como escravo, embora seja inocente não aceita viver como
escravo, e nem sequer consegue compreender essa concepção de vida. Muito
impulsivo ele não quer aguardar um dia sequer para alcançar a liberdade, e é
extremista em suas ações para alcançar seu objetivo. Quando renasce como
morto-vivo perde todos os traços de sua antiga vida, e suas ações não são
decididas por sua vontade.
Akili é um antigo escravo que não
sai da senzala depois de um episódio com Antônio, um dos herdeiros da fazenda.
Tem uma atmosfera de mistério sob si, e parece esconder mais do que aparenta.
Sua ajuda é fundamental na tentativa de fuga de Sabola, mas sua importância só
explicada no fim da trama.
Inácio é o herdeiro mais jovem,
médico formado em Portugal está na fazenda apenas enquanto não se transfere
para Londres, onde quer estabelecer sua nova vida. É o oposto de seu irmão, e
seu pensamento quanto aos escravos é diferente de todos os homens a sua volta.
Assim ele é mal compreendido, e entra em conflito com o pai e o irmão
constantemente. Sua sensibilidade para com a vida é ainda um pensamento novo
nas terras brasileiras, e ele não possui o machismo dominante na região.
Quando comento sobre machismo,
não o falo sobre o ponto de vista de colocar a mulher como sexo inferior
(embora até deva ser o pensamento da época, mas ele não é explorado), mas sim
do pensamento que homens devem agir de determinadas maneiras, e ter
determinados pensamentos e sentimentos (falta deles), que no caso são de
aplicar punições aos escravos que não agirem como esperado não os vendo como
humanos mais sim como animais; herdar o
trabalho da família; aliviar suas tensões com uma escrava comprada para isso;
beber e agir de modo agressivo, enfim manter o status quo da época marcada pela
ignorância.
Batista é o pai dos jovens.
Principal responsável pela manutenção do modo agressivo do filho mais velho,
embora ame seus filhos age de modo antiquado em suas relações. Até tenta
compreender os pensamentos novos de Inácio, mas quando um escravo sai da linha
defende o castigo, e só não permite muitas mortes porque também geram perdas de
dinheiro. É orgulhoso e prepotente, e é incapaz de acreditar no que está acontecendo
na sua fazenda, e quando acredita já é tarde demais.
Antônio, o filho mais velho é
aquele personagem que causa repulsa já que ele é agressivo com seu irmão mais
novo, com seus funcionários, e cruel com os escravos pelo simples prazer de os
ver sofrer. Em nenhum momento desperta empatia, e devo dizer que acabamos por
querer seu sofrimento!
DeBrito consegue nos fazer torcer
pela vingança de Sabola, depois da tortura e morte que ele teve acabamos por
torcer pelo fim da fazenda, e pela liberdade dos escravos. E estar do lado de
quem causa a morte é um novo ângulo como leitora. Existe sim muito sangue, mas
o autor consegue descrever de modo respeitoso e direto todos os crimes sem
causar repulsa ou aflição, tudo soa natural e fluído, e não simplesmente um
monte de mortes sem sentido. Temos crueldade sim, mas também uma estória a ser
contada que pode muito bem ter acontecido em um canavial.
O desfecho do livro é excelente,
e é quando todas as linhas são explicadas e ligadas de uma forma muito
original. Durante toda a leitura eu me perguntava se era simplesmente uma morte
atrás da outra até que todos acabassem, mas não, existe muito além disso, e é
surpreendente!
O Escravo de Capela é um retrato
do Brasil Colônia ao mesmo tempo que evoca uma das lendas mais interessantes de
nosso país. É um misto de real e fantástico, de sombras e esperança, que nos
reforça quanto por mais legítima que seja sua sede de sangue ao final a
vingança acaba apenas por envenenar o coração e fazer a mente perder sua razão
de ser. Leiam, mas tomem cuidado com quem espreita em suas janelas a noite!
Avaliação
Excelente postagem!
ResponderExcluir