Dylan é
diferente da maioria das pessoas de sua idade, afinal com seus apenas quinze
anos já tem quase dois metros de altura e muitos pelos corporais, podendo até
mesmo se passar por um adulto. E é por conta de sua aparência que ganhou um
apelido nada carinhoso das pessoas de seu colégio: Fera. Mas ele odeia ter
destaque no meio de todo mundo por conta de seu tamanho e queria ser apenas um
garoto com uma vida normal, com uma namorada e amigos. Ele até anda com um dos
mais populares da escola, JP, que é mulherengo, interesseiro e consegue
manipular tudo e todos para conseguir o que quer. E Dylan nada mais é do que
seu seguidor mais fiel e braço direito, ainda que continue sofrendo bullying de
todo mundo.
Depois de se
machucar ao cair do telhado, seu médico indica para sua mãe que ele comece uma
terapia. E é lá que tudo vai mudar. Dylan conhece a garota mais bonita,
encantadora, inteligente e engraçada que já viu na vida. Além de tudo, ela
parece entendê-lo e gostar dele, com sua aparência de fera e tudo.
Só que Jamie
também enfrenta o julgamento de muitas pessoas, afinal ela é transgênera, ou
seja, foi designada com o sexo masculino ao nascer, mas se identifica com o
sexo feminino. Mesmo assim ela continua vivendo sua vida e não se deixa abalar
com comentários e piadinhas de mal gosto, e nem deixa de fazer tudo o que
deseja só porque pode ser até mesmo perigoso. Afinal, nem todas as pessoas no
mundo são evoluídas o bastante para entender que todos somos igualmente
normais.
E Dylan vai
começar a se questionar se ele também quer lutar contra tudo e todos,
enfrentando preconceitos e qualquer outra coisa que possa surgir pelo caminho,
para seguir seu coração e ser feliz com a pessoa que está ao seu lado.
Quando a
Editora Seguinte divulgou que iria publicar o livro “Beast”, de Brie Spangler, bem
antes de ter capa e títulos nacionais, eu já tinha ficado ansiosa pela leitura,
afinal parecia uma releitura do meu conto de fadas favorito com personagens
adolescentes e, o melhor de tudo, uma personagem trans. Gosto muito deste tipo
de inclusão nos livros, e ainda mais nos voltados para o público jovem adulto.
Fora que essa capa é simplesmente espetacular e apaixonante.
E eu posso
dizer que gostei bastante do resultado final, já que essa obra retrata a
juventude de uma forma bem natural, com personagens incríveis e um pano de
fundo bem real. Ninguém ali é perfeito e estão todos tentando se descobrir
nessa fase tão importante de nossas vidas, que é quando prestamos ainda mais
atenção ao que gostamos e o que queremos ser. É quando estamos saindo da
infância e quase entrando na fase adulta, quando as responsabilidades começam a
ficar mais importantes e quando o amor é algo novo, que mexe com a gente e nos
faz pensar.
Dylan e
Jamie são personagens complexos, sinceros e reais. Eles têm sentimentos
aflorados, novas sensações, estão se descobrindo e se aceitando e, de quebra,
enfrentando os outros. Por motivos diferentes, cada ser humano sempre tem que
enfrentar seus próprios medos, e, muitas vezes, outras pessoas que não os
aceitam como são. No caso de Dylan, é sua aparência que conta. E no de Jamie é
o fato de ela ser alguém diferente de como foi designada ao nascer. Mas eles
são humanos e todos deveriam ser tratados iguais, porque a beleza da vida é
justamente essa, absolutamente ninguém é igual a ninguém nesse mundo
inteirinho.
A narrativa
é intensa, realista e, muitas vezes, nos deixa chateados ou com raiva. Mas a
vida também é assim, e por isso a obra é tão boa. A autora retrata temas
importantes como tabu, bullying, relacionamentos abusivos, crescimento pessoal,
preconceito, questionamentos internos, entre outros.
Gostei da
forma como Dylan foi amadurecendo conforme conhecia Jamie melhor e também o que
ela começou a representar para ele. Acho que o garoto conseguiu transmitir toda
essa confusão e aceitação muito bem e no final aprovo o modo como lidou com
aquilo tudo que estava vivendo e com os seus sentimentos. Mesmo que algumas
vezes durante o caminho ele tenha me irritado com algumas atitudes e
comentários, eu até entendo que a situação era diferente para ele, que estava
aprendendo a enxergar a vida de maneira distinta do que estava acostumado.
Mas, no
geral, achei o protagonista bem chatinho. Seu humor não era dos melhores e seus
comentários, muitas vezes irônicos, mas de um jeito ruim, muito menos. E olha
que eu amo personagens sarcásticos e afiados, mas essas características não
combinaram com ele, porque o deixaram meio desagradável e azedo. Além do mais,
ele foi hipócrita em diversos momentos, julgando tudo e todos pela aparência
das pessoas, sendo que ele próprio odiava ser julgado pela sua.
A parte mais
bacana deste livro fica por conta da Jamie, que é transgênera, e eu ainda não
tinha lido nenhum livro com uma personagem que se identifique com um gênero
diferente do que nasceu, e acho muito importante a inclusão dessas pessoas nas
obras literárias, assim como na vida real. Então foi ótimo poder entender um
pouco mais do que ela sentia e como lidava com as coisas em sua vida. Espero
que outros autores decidam incluir personagens trans em suas histórias,
inclusive para auxiliar quem se identifica com ela fora das páginas de um livro
e não sabe lidar muito bem com isso. E também é uma forma de abrir os olhos
para pessoas ridículas que não enxergam trans como realmente são, pessoas como
quaisquer outras.
Jamie é uma
garota sensacional, divertida, de bem com a vida, segura, dona de um ótimo humor,
bem consigo mesma, forte e madura. Claro que ela também não é perfeita, afinal
ninguém é. Mas sinto que foi um bom complemento para Dylan, por ser tão
diferente dele, e, consequentemente, completá-lo. Além de mostrar que a vida é
muito mais colorida do que apenas o preto e o branco que grande parte das
pessoas enxerga.
Dentre os
demais personagens, gostei muito da mãe de Dylan, que só queria o melhor para o
filho e poder entender e ajudar no seu processo de autodescoberta, enquanto se
preocupava com o fato de ele ser diferente por conta de sua altura e se sentir
para baixo, ficando bem próxima a ele e mostrando que não estava sozinho porque
ela sempre estaria ao seu lado. E simplesmente ODIEI o JP. Não vou comentar
muito sobre o mesmo para vocês conhecerem lendo a obra, mas ele é ridículo e me
enojava quando as pessoas e o próprio Dylan o enalteciam.
Se você está
esperando uma releitura de A Bela e a Fera por conta do título e do fato de o
protagonista ser um garoto grande e peludo que se assemelha a uma fera e se
apaixona por uma bela garota, não se engane. Porque as semelhanças com o conto
de fadas terminam aí. Isso não é algo negativo, só quis deixar avisado para as
pessoas não começarem a leitura desejando algo diferente do que vão encontrar
para não acabarem se decepcionando.
Acho que a
leitura é muito válida porque traz assuntos importantes, além de ter sido bem
desenvolvida. Só que eu estava esperando mais da mesma. Senti que faltou algo
realmente bom para me encantar e me deixar presa na leitura. E o fato de eu não
ter gostado tanto assim de Dylan também acabou afetando o meu olhar sobre sua
perspectiva, já que a narrativa é em primeira pessoa por ele. Eu daria 3.5 de
nota final para a leitura, mas como aqui no blog só temos notas inteiras,
arredondei para quatro.
“Fera” traz
personagens espirituosos e reais, que vivenciam a fase das descobertas,
aceitação e autoconhecimento, e mostram a luta diária para o “diferente” ser
aceito pela sociedade como deveria: um igual. Recomendo a leitura para quem
curte bons jovens adultos, bem desenvolvidos e com um romance inclusivo.
Avaliação
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