A Espiã – Paulo Coelho

“Seu único crime foi ser uma mulher livre”. Começar esta resenha com esta frase nos parece bem machista, mas isso infelizmente era uma verdade na época em que Mata Hari viveu. Mesmo assim, tentou mudar, ser mais ela mesma, só que pagou um preço muito alto por isso. Ela era uma pessoa forte e determinada, e foi dito que era uma mulher que nasceu na época errada, porque os padrões eram bem rígidos, e a figura feminina sempre tinha que ser submissa, sorrir quando nada ia bem, e, muitas vezes, “aceitar” as safadezas dos maridos, que mantinham a “certinha” em casa e as outras nos bordéis, principalmente os ricos que davam joias caras e moradia dentre outras coisas para suas amantes.
Margaretha Zelle era o nome verdadeiro de nossa protagonista, que nascera na Holanda, na cidade de Leeuwarden, local que muitos holandeses nem mesmo sabiam onde era, nem ouvido falar. Era uma cidade onde nada acontecia de interessante. Margaretha era considerada uma jovem bonita, que todas as amigas adoravam imitar. E desde nova pensava que faltava algo mais em sua vida. Quando seus pais perderam a fortuna em 1889, a mandaram para uma cidade de nome Leiden para frequentar uma escola e ter uma educação refinada, e, assim, ser professora de jardim. E, claro, esperar por um marido. Na partida, sua mãe lhe dera uma semente de girassol para que ela aprendesse a seguir seu destino com alegria.
“As flores nos ensinam que nada é permanente, nem a beleza, nem o fato de murcharem, porque darão novas sementes...”
Na escola, então, começou o seu sofrimento, o qual depois ela tomou coragem para se rebelar, fazendo planos para sair dali o mais rápido possível e mudar de vida. Tudo teve início quando ela foi estuprada pelo diretor da escola, e na época só tinha dezesseis anos, só que não tinha coragem de falar com ninguém, pois tinha medo de ser expulsa. Então resolveu tentar mudar essa situação para não ser mais molestada (não só ela, mas outras passaram por essa terrível situação antes, o que Zelle só soube depois).
Juntando isso com o tédio do lugar, resolveu ver anúncios de jornais e descobriu que havia um oficial do exército holandês de descendência escocesa, que procurava uma jovem para casar e morar no exterior, onde servia na Indonésia. Com isso, ela mandou uma carta, respondendo o anúncio e eles passaram a se conhecer e por fim casaram-se.
Só que a vida dela não estava nem perto de melhorar, pelo contrário, ficou ainda pior. Seu marido a maltratava, tinha amantes, e, para completar, seu filho foi envenenado pela babá (que também foi envenenada depois), ficando só com sua filha. Tantas coisas se passaram com ela, que resolveu abandonar o lar e fugir para a França, largando tudo, inclusive a filha (sobre quem não tivemos muitas informações neste livro). Nossa protagonista, então, foi embora com a cara e a coragem numa época tumultuada pela guerra. Foi aí que seu nome passou a ser Mata Hari. Chegando lá, passou a se apresentar em teatros e começou uma nova etapa em sua vida.
Sua dança sensual, proveniente da Indonésia, atraiu homens e a ira das esposas. Teve muitos amantes graúdos, que a enchiam de joias, presentes e chácaras, e por aí vai. Foi uma mulher fora dos padrões tradicionais, mas pecou, para mim, pela ingenuidade.
“Bailaria exótica, confidente e amante dos homens mais ricos e poderosos do seu tempo, figura de passado enigmático, despertava ciúme e inveja das damas da aristocracia parisiense”
Depois de vivenciar muitas coisas, acabou sendo envolvida numa grande trama e não teve apoio de nenhum para quem prestou favores na cama. Muito pelo contrário, como eram homens importantes, seus nomes e reputações não podiam ser tocados. Então ela pagou um preço muito alto encontrando a morte por fuzilamento como era comum na sua época. Mas seu nome é lembrado até hoje como uma importante figura feminina na história mundial, como “símbolo de força e audácia feminina”.
Fazia anos que eu não lia nada de Paulo Coelho, mas me interessei por esta obra, já que retrata a história de uma moça que vivia numa outra época, na qual a mulher não tinha nenhum privilégio, sendo considerada à margem da sociedade e um ser abaixo dos homens. Enquanto eles faziam tudo o que queriam e tinham todas as regalias que desejavam, elas eram as submissas.
Porém, Mata Hari provou que nós, mulheres, podemos ir à luta. E mesmo vivendo numa época terrível para o sexo feminino, ela foi contra às coisas impostas pela sociedade, sem medo e com muita coragem, enfrentando o que estivesse em seu caminho para ser uma mulher livre. Pessoas como ela que fizeram a diferença, possibilitando-nos de chegar aonde chegamos, mesmo que ainda exista muito caminho pela frente. É por isso que eu, definitivamente, não poderia deixar de ler e ter este exemplar na minha estante. E indico para todos também.
Apesar de ser uma obra curta, com menos de duzentas páginas, acho que Paulo Coelho conseguiu nos apresentar a história de Mata Hari muito bem, com uma narrativa interessante e fluida, que mostra os pontos mais importantes de sua vida. Porém, acredito que poderia ter algumas páginas adicionais para sabermos um pouco mais sobre alguns detalhes, incluindo sobre a filha dela, como comentei anteriormente, já que não obtivemos mais informações sobre a mesma. Isso não faz com que tenhamos menos conteúdo ou que não possamos entender a trama de uma maneira geral, mas não ficaria incomodada de saber um poucos mais.
Para quem não sabe, Mata Hari realmente existiu, e o autor se baseou em fatos reais que descobriu através de pesquisas intensas sobre esta grande mulher. Ele, então, reconstituiu sua história utilizando, de maneira ficcional, cartas verdadeiras trocadas entra ela e seu advogado, que cuidava de seu caso quando ela estava na prisão de Saint-Lazare, em Paris, pouco antes de ser executada.
Gostei muito de conhecer mais a fundo a vida desta mulher incrível e admirável, que lutou pela liberdade, que correu atrás de sua verdade e identidade, contra tudo o que havia de convencional naquela sociedade em que viveu. E ela nunca se deixou intimidar, mas pagou caro por isso. E devo confessar que me senti triste e revoltada por seu destino final.
O título do livro faz sentido por conta de algo muito importante que aconteceu, que, inclusive a levou à desgraça. Não posso comentar mais sobre isso porque seria spoiler, mas achei muito interessante, apesar de triste.
A edição, publicada pelo selo Paralela, da Companhia das Letras, conta com a foto em cores de Mata Hari na capa e algumas outras em preto e branco no miolo, uma breve nota do autor no final do exemplar, falando sobre sua pesquisa e indicando outra leitura sobre ela. A diagramação do texto é bem confortável para a leitura, com fonte e espaçamentos em tamanhos bons e a edição impressa conta com páginas amarelas.
Recomendo a leitura deste exemplar sobre a vida de uma mulher que fez diferença em sua época e sofreu consequências terríveis só por ser do sexo feminino, para todas as pessoas que curtem obras sobre mulheres fortes e admiráveis, escrita por um excelente autor que nos mostrou relatos interessantes. E, mesmo esta não sendo uma biografia, consegue nos apresentar Mata Hari muito bem.
Avaliação



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