À Sombra da Lua -Marcos DeBrito

Sou apaixonada por seres fantásticos, quase todos eles me arrebatam para seus mundos nas primeiras linhas- fadas, vampiros e bruxas em especial. Entretanto existem exceções, e os lobisomens costumavam ser uma categoria que atraia minha birra e total desinteresse, mas livros como À Sombra da Lua, do autor Marcos DeBrito, publicado pela editora Rocco estão me fazendo repensar o lugar deles no meu coração!

De Brito nos brinda com a história na pequena Vila Socorro no século XX, uma calma cidade no interior de São Paulo, onde o aparecimento de corpos mutilados nos arredores da floresta preocupam os moradores há alguns anos, e em especial nos últimos meses com a maior frequência de mortes.

Álvaro Cesari, um simples fazendeiro filho de imigrantes italianos é um sobrevivente de um trágico massacre em sua família, ele se vê apaixonado por Alana, filha do médico local- um amor proibido pela diferenças sociais. Entre as tentativas de um novo amor florescer e as  dos representantes da cidade em encontrar o culpado pelas mortes, a lua cheia  traz consigo um investigador misterioso que pode ter respostas para a estranha criatura que assombra a vila.

A narrativa se dá dividida em dois tempos, um bloco que se passa no século XIX, quando a família Cesari chega ao Brasil, e outro bloco no século XX acompanhando os acontecimentos na Vila Socorro e na vida de Álvaro, ambos intercalados. Narrado em terceira pessoa sob o ponto de vista de diversos personagens, a escrita flui gostosa e detalhada, as vezes até filosófica.

A trama embora se passe no Brasil, e com pitadas da história brasileira, soa muitas vezes como universal, cansei de me perder no tempo e espaço, me esquecendo completamente de onde e quando se passava, essa característica em especial me agradou muito, visto que prova a qualidade do livro, já que a sublimação se deu de forma rápida e profunda.

Embora desde o momento que o livro é aberto saibamos que se trata de um livro de lobisomens uma hesitação surge (que por sinal é uma das características do gênero fantástico) ela existe durante boa parte do livro. Sabemos quem é, mas isso é longe de suficiente para desvendar toda a história dos Cesari. Acompanhamos todo tempo a investigação das mortes e o desenrolar do amor de Alana e Álvaro com expectativa dos desdobramentos do drama.

Tudo soa 'normal' até aqui não é? Mas como posso dizer o quanto esse livro foge do lugar comum sem dar spoilers? Pense naquilo que você jamais esperava acontecer, bem no meio da história, quando você já esperava por outra coisa? Pois é, do nada fui arrebatada para um sentimento de negação: nãoooo! Você não fez isso! E agora?! E o desfecho da história dos Cesari?: Uau eu não esperava por isso!  - Sim é um livro que mexe com as sensações de forma surpreendente. Dizer que o final é um tapa na cara é mero detalhe, nada de viveram felizes para sempre.

Quanto aos personagens, Álvaro é um jovem fortemente marcado pelo crime que levou toda a sua família. O trauma fez com que se isolasse do mundo e não desenvolvesse relações sociais. Ele vive em seu próprio mundo tentando sobreviver sem causar danos quando esbarra com Alana, que o faz perder a razão, e ousar mais. Ele está disposto a viver esse amor mesmo sabendo de sua posição social, e sua natureza peculiar.

Alana é uma jovem sonhadora e de classe alta, embora se veja fazendo coisas que não pensava fazer, é imatura, pois quando se vê diante da escolha que dará rumo a sua vida, hesita e não escolhe o que quer, mas sim o que o pai espera dela. Sua falta de atitude e sensibilidade quanto aos que a cercam trazem sua ruína, visto que acaba por magoar muita gente com suas escolhas, ou diria falta de escolhas.

Os representantes da vila, Dário (médico), Carlos George (fazendeiro), Ronaldo (alcaide do vilarejo) e Antônio dos Santos (padre) aparecem de forma muito bem estruturada, costurando dados para o desenrole do mistério. É importante dizer que nenhum personagem surge ou existe de forma alegórica, todos tem sua contribuição para a história principal, seja no passado ou no presente.

Valêncio, é uma figura que surge de forma breve inicialmente e vai crescendo ao longo da trajetória, é um mistério que só se revela nas páginas finais do livro. Ele é responsável por jogar diversos dados que nos trazem dúvida, assim como ao vilarejo. Ele responsável pelo véu levantado.

Com um thriller sobrenatural bem amarrado, À Sombra da Lua trás a luz literatura fantástica brasileira de primeira qualidade, não deixando a desejar em nada para os autores do gênero. O final tem um gancho para continuação, e espero que o autor nos brinde com ela, já que parece que os vampiros vão dar as caras!  Se você quer literatura de qualidade, com gostinho de terror, muito mistério e suspense esse livro é uma mordida cheia para você!

"Muitas pessoas evitam cruzar os portões de um cemitério para não serem perfuradas pela flecha da lembrança que carrega consigo um bilhete assinado pela própria morte com a perturbadora verdade de que ao pó voltaremos" (pág. 40)

Avaliação

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