Conheci Zafón através do livro
Marina, e demorei muitos anos para finalmente ler A Sombra do Vento, primeiro
volume da série Cemitério dos Livros Esquecidos, publicado pela Suma de Letras.
Ele estava na estante me encarando todo esse tempo, e chegou o momento de ler o
livro que fez o autor ser conhecido e reverenciado!
Após uma madrugada inusitada com
uma visita inesperada Daniel Sempere tem em suas mãos um livro raro, A Sombra
do Vento. Algumas horas depois o livro está lido, e o garoto tem apenas um
objetivo: saber quem é o autor e onde encontrar seus demais livros. Uma busca
que começa inocente, e atravessa o tempo se transforma em uma perigosa estória
que coloca em risco que é mais importante para ele, ao mesmo tempo em que
verdades guardadas a sete chaves vem a tona.
Zafón tem uma narrativa em
primeira pessoa muito peculiar e única dele, ao mesmo tempo que soa simples e
direta, evoca em suas ações críticas, especialmente políticas dentro da
Espanha. Suas peculiaridades trazem uma atmosfera que beira sempre a fantasia,
sem de fato se adentrar nela, com um toque gótico sutil. Você se imagina nas
ruas de Barcelona na chuva perdido junto a Daniel tentando compreender quem é
Julian Carax, esse autor que escreveu livros que foram queimados e não deixou
rastro de sua existência, e mais do que no lugar de Daniel o autor desperta a
curiosidade de saber o que aconteceu com Carax e seus livros.
A estória é desenvolvida em uma
linha do tempo linear do ponto de vista de Daniel, mas não linear quando os
diversos personagens contam suas vivências com Julian. É através desses relatos
e descobertas que Sempere costura a estória de vida de Julian e termina na
descoberta de sua verdadeira vida, e devo dizer é triste e é surpreendente!
Embora agradável o livro não
permite um ritmo muito rápido de leitura, e isso porque o autor as vezes
exagera um pouco em certos pontos da estória, e algumas páginas ao meu ver
poderiam ter sido tiradas, já que não acrescentam muito a trama. Este ritmo ora
lento, ora fluído pode desestimular a leitura para algumas pessoas acostumadas
a narrativas mais acessíveis.
Daniel é um jovem determinado a
descobrir a estória de Carax, mesmo que isso coloque em risco sua vida ou a de
seu pai, com isso ele pode ter ações exageradas e destemidas. No fundo tudo é
inocência, ele não consegue perceber a maldade das pessoas, e sempre tende a
acreditar nelas. Ao mesmo tempo tem uma grande identificação com o autor.
O pai de Daniel é muito dedicado
ao filho, e respeita o espaço do mesmo sem sufocá-lo, é uma relação bonita de
acompanhar. Fermín Romero de Torres é um homem que Sempere tira das ruas para
trabalhar com ele e o pai em sua livraria, dono de uma personalidade marcante,
este homem se torna melhor amigo de Daniel, e embora carregue uma estória de
vida muito triste é fonte de humor e leveza a narrativa.
Julian Carax é um jovem
perturbado que é levado a caminhos estranhos na vida, sem se dar conta de quem
está por de trás deles. Seus amigos de escola, Míquel Moliner companheiro até o
fim de seus dias, e Jorge Aldaya não aparecem por muito tempo na narrativa, mas
têm papéis fundamentais no andamento da trama.
Os demais personagens que surgem
são muito variados e interessantes, Clara uma jovem cega e seu tio livreiro e
boêmio, Fumero um policial sem qualquer ética e moral, Nuria uma mulher de
caráter duvidoso, Beatriz a jovem que desperta o amor em Daniel, além dos
vizinhos como o catedrático dramático e o relojoeiro que gosta de se vestir de
mulher. Todos bem caracterizados e bem encaixados nessa estória repleta de
detalhes e enigmas.
Zafón encheu o livro com
referências históricas da Espanha, por falta de conhecimento a respeito não sei
dizer quanto foi fiel e imparcial, mas a crítica ao governo da época é muito
marcante e direta. Os personagens em todo tempo evocam o tema sem uso de
metáforas ou eufemismo.
A Sombra do Vento é antes de mais
nada uma estória de vida de alguém que amava os livros e escrevê-los, mas teve
a vida atropelada pelos acontecimentos mais inesperados. Ao mesmo tempo que é
um passeio pelas ruas espanholas é um retrato de amor aos livros e tudo que
eles geram além da leitura. Um livro pode ser apenas um bom entretenimento, mas
pode também gerar mudanças e buscas que nunca sabemos onde irão dar. A Sombra
do Vento é o exemplo do que uma busca pode resultar. Prepare-se para se
surpreender porque nestas páginas nada é óbvio, e qualquer coisa pode surgir
das sombras deixados pelo vento!
Avaliação
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