O inconsciente é uma coisa muito
peculiar não é? Sem querer acabei lendo dois livros da Virginia Woolf em menos
de trinta dias, não foi algo programado, apenas aconteceu, ou diria meu
inconsciente quem acabou tramando para mim ler tanto sobre Londres rs, e bem
livros que falam do inconsciente! Mrs. Dalloway foi o escolhido da vez,
publicado aqui no Brasil pelo selo Penguin Companhia.
Em plena Londres da década de 20,
Clarissa Dalloway se prepara para mais uma festa em sua casa, onde algumas dos
políticos e pessoas mais importantes da cidade irão comparecer. Pessoalmente
ela caminha pelas ruas da cidade para comprar suas flores, e seu caminho cruza
com diversas outras consciências que habitam esta cidade tão única.
Se você está em busca de uma
sinopse comum para o livro esqueça, o objetivo da autora não é narrar uma
estória com começo, meio e fim. Todo o livro se passa em apenas um dia, onde
devemos imaginar Mrs. Dalloway como um planeta e os demais personagens como
luas que orbitam ao seu redor. Ou seja, a narrativa realizada em terceira
pessoa é onisciente e trabalha diversos personagem que cedo ou tarde são
atraídos pela força gravitacional de Clarissa, se chocando na mesma. É uma
narrativa cíclica, subjetiva, ora descritiva, ora metafórica, que é conhecida
como fluxo de consciência.
A trama gira em torno de pequenos
atos do dia a dia dos personagens, no caso de Clarrisa é sua ida até a
floricultura, onde no caminho esbarra com pessoas, assim como vai se lembrando
de acontecimentos ou vê acontecimentos ao seu redor. Depois mais tarde uma
visita de um amigo muito próximo em sua casa que evoca sua juventude, e por fim
sua festa. Além dela existem também acontecimentos de pessoas ligadas a ela direta
ou indiretamente. Como, por exemplo, Septimus Warren Smith, ex- soldado que
acabou acometido por uma doença mental após perder o melhor amigo na guerra, e
que acaba se ligando a Clarissa apenas no final do livro, coisa que acabei que
nem iria acontecer.
Outro traço deste livro é a
ausência de capítulos, no máximo o que temos são algumas separações na
diagramação, que são poucas. Logo com isto a transição de cenas se dá sem que
percebamos, como em um sonho sem anúncio estamos com um personagem, de repente
já estamos na mente de outro. No inicio isso atrapalha, e acaba transmitindo
uma sensação de incapacidade de compreensão, mas uma vez que você se acostume
com esta característica a leitura flui, porque embora seja uma linguagem a
princípio difícil é a linguagem que o inconsciente sua, de unir assuntos
aleatórios e com sequências aparentemente sem lógica. O livro é breve, mas é
exigente em sua leitura.
Clarissa é uma senhora na casa
dos cinquenta anos com uma personalidade não muito amigável. Gosta da riqueza e
dos bons costumes, mas sabe manter as aparências. Entretanto por mais bem
casada que seja, com um homem ligado a política e com dinheiro, ela parece
triste, mas não deprimida, já que Richard seu marido parece ter dificuldades em
demonstrar seus sentimentos. Embora com essa atmosfera meia triste ela não se
deixa abater. Contrastando com a senhora que é no presente, diversas lembranças
suas são evocadas, não só por ela mesma como através dos demais personalidades,
onde em sua juventude mostra uma Clarissa mais espontânea e alegre.
Peter e Sally são dois amigos da
juventude que surgem e lembram Clarissa de seus momentos do passado, mas ela
parece fugir destas lembranças quando finalmente se vê diante deles, como se
estar com eles a lembrasse de uma versão sua que quer se esquecer.
Septimus é um personagem muito
perturbado que diante da morte na guerra resolve guardar suas emoções, e passa
a conversar com seu amigo morto. Sua esposa, uma italiana, não sabe mais o que
fazer para ajudá-lo, e depois de uma consulta a um novo médico as coisas não
terminam como o esperado. O desfecho deste personagem me surpreendeu, embora
tenha muito haver com a biografia de Virginia.
O mais interessante na leitura
deste livro, particularmente para mim foi que até certo ponto eu estava meio
desinteressada do livro, pela dificuldade que Woolf tem para contar coisas tão
simples do dia a dia, não era claro para mim o porque de complicar algo simples.
Mas a medida que o livro se passa, e o cérebro parece se encaixar em seu
esquema eu terminei gostando e admirando a capacidade dela de juntar todas as
estórias e eventos em sua festa.
Mrs. Dalloway é de fato um livro
mais denso e exigente, mas que deve ser lido por todos que querem sair das
narrativas excessivamente descritivas e fáceis que inundam o mercado. Com um
propósito ele não segue os padrões comuns, e por trabalhar com o consciente e
inconsciente dos personagens acaba por também nos fazer trabalhar com os
nossos, a cerca do temas discutidos e eventos presenciados. É um passeio pelas
ruas de Londres e pela mente humana.
Avaliação
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