Muitos anos depois de sua partida
uma mulher volta a cidade onde nasceu, Manaus, para rever sua mãe adotiva,
Emilie, patriarca de uma família de imigrantes libaneses. Ao se deparar com a
casa de sua infância lembranças são evocadas, dores e fatos que marcaram a vida
desta família que criou seu modo de existir ligando a origem do Oriente com os
costumes brasileiros.
A narrativa é feita em primeira
pessoa através de relatos de diversos narradores em 8 capítulos, assim existe
uma multiplicidade de vozes através da memória dos personagens que não é linear e tem diversos flashbacks, além
de repetir a mesma situação através de vários olhares, como o acidente de
Soraya Ângela que é muito relatado. É através desses diversos olhares que ao
final da leitura temos uma visão de conjunto do que realmente aconteceu em cada
situação.
O clima do livro é soturno, e
vezes fúnebre. Por se passar em um local brasileiro como Manaus eu imaginava
que seria mais alegre, mas o foco das estórias são nos momentos tristes e
sofridos desta família. Honestamente parece que eles mais foram tristes do que
felizes, e mesmo Emilie que parece ser a mais alegre entre todos sofreu muito
para conseguir fazer seus pequenos momentos de felicidade, como por exemplo, as
doações de alimentos ou festas natalinas. O lado oriental se dá muito nas
decorações da casa, na loja da família e no conjunto de animais que vivem na
casa, além é claro de costumes que normalmente são evocados pelo pai e seu
alcorão.
Muitos temas fortes são
trabalhados como suicídio, gravidez na adolescência, relação de tensão entre
marido e mulher, preconceito contra mulher e etc. Mas não de forma comum, e sim
através das pessoas que vivenciaram estes fatos e viram como cada uma destas
coisas devastou aos poucos esta família, sem de fato colocar isso em questão.
Emilie é a matriarca, embora seja
de longe a mais comentada ainda senti um pouco de falta de saber mais sobre sua
personalidade, na verdade gostaria de ter ouvido um relato dela em primeira
pessoa, visto que é uma personagem de personalidade forte e que enfrentou
diversas tribulações, como a morte do irmão, da neta, e a personalidade forte e
agressiva do marido.
Nossa 'protagonista', e digo
entre aspas porque ela não é quem narra todos os capítulos, é uma incógnita
porque não tem nome e quase não fala de si, apenas conta os fatos que viveu e
seu sentimento em relação a eles. Não entra em detalhes quanto a o que a levou
se afastar da família ou sua relação com sua mãe verdadeira.
Dorner é um fotografo alemão,
amigo da família e importante em diversos momentos. Hakim é o irmão da
protagonista, e outro personagem que saiu da cidade e fala de longe através de
cartas com a irmã. Parece ser o queridinho de Emilie. Hindié, é amiga da
Emilie, e é quem a acompanha até o final da vida, tem um capítulo seu sobre os
momentos finais da mesma.
Ao começar o livro a sensação é
que existe alguma coisa errada porque o leitor é jogado nas cenas sem
explicação, sem saber quem está falando e a partir de qual ponto ele está, já
que não temos dados suficientes para compreender as lembranças enumeradas pela
protagonista. Mais ou menos no terceiro capítulo os pedaços começam a tomar
forma, e uma estória central se forma também. A compreensão geral da trama se
dá mais nos capítulos finais, e a verdade é que quando terminamos o livro já
temos que relê-lo para assim ligar as pontas daquilo que ficou descosturado no
começo do livro. É um livro cíclico, que deve ser retomado pelo começo para
fazer sentido.
Relato de um Certo Oriente é uma
obra para releitura continua, que a cada leitura lhe permite uma nova
identificação, ou uma nova compreensão. As vezes soa como mil e uma noites, as
vezes como um relato de uma família que passou por tristezas demais para
permanecer junta. O fato é que é uma obra que acrescenta no inconsciente em
camadas que talvez não fiquem claras. Uma obra diferente para quando você
quiser ir para os recantos do norte e sentir a brisa do oriente.
Avaliação
Nenhum comentário:
Postar um comentário