O Gigante Enterrado - Kazuo Ishiguro

Revendo mentalmente minhas leituras até hoje nunca havia lido um nobel de literatura (eu acho!), sabe-se lá porque mas isso era uma verdade até que O Gigante Enterrado, do autor Kazuo Ishiguro, publicado pela Companhia das Letras chegou até as minhas mãos.

Em um pequeno vilarejo bretão escavado entre as pedras vivia o casal Axl e Beatrice. Suas vidas seguiam sem rumo, com suas memórias perdidas entre as brumas. Depois de um lampejo de memória Axl resolve que chegou o momento de partirem para a vila que seu filho mora. Sem saber qual é o caminho, menos ainda qual é exatamente o local que o filho mora, eles partem apenas com a certeza que seu filho os aguarda a muito tempo. O que eles não esperavam é que mais do que encontrar o filho eles devem buscar dentro de si sua própria estória, além das lembranças do que viveram juntos.

Eu fui esmagadoramente afetada pela leitura deste livro, tive uma conexão inconsciente que fez com que a leitura me incomodasse muito, mas não por questões narrativas ou pela qualidade da estória, mas porque o tema central da trama teve ecos nos conteúdos do meu inconsciente. Ishiguro narra sua estória em sua grande parte em primeira pessoa através de um narrador que conhecemos a identidade apenas ao final do livro, e o faz de forma simples, mas bastante cadenciada, com isso a leitura não é rápida, e é as vezes um pouco arrastada.

O grande problema que eu identifiquei e que me incomodou foi o fato dos personagens sofrerem com essa névoa que faz com que eles se esqueçam de suas memórias, sejam as do passado, sejam até de atos recentes do mesmo dia. Logo foi angustiante não conhecer a estória deles, e acompanhar o esforço dos mesmos para se lembrarem. A trama se passa todo tempo nesse escuro, nessa busca pela vila do filho, pela identidade do casal, pelas memórias de vida deles que já não sabem se foram felizes, se fizeram mal um ao outro e etc. É como estar constantemente em um sonho, onde não sabemos o que é real, o que é imaginação, é tudo muito onírico.

Todos os personagens que surgem e interagem com o casal sofrem em graus diferentes dessa névoa, que tem uma explicação mais tarde. Isso só reforça a angústia porque acaba nos jogando em vidas sem propósito, sem rumo. Wistan é um guerreiro saxão que torna-se um companheiro de jornada, é o que mais tem conhecimento sobre tudo que se passa, e assim o que mais tem a esconder. Gawain é um cavaleiro do Rei Arthur que vive das memórias de um rei que já se foi (dois ou três capítulos são narrativas dele em primeira pessoa de seus delírios, me lembrei de Dom Quixote nestes trechos).

Axl é um velinho muito amoroso e dedicado a esposa, tem um carinho e cuidado que enche o coração de ternura. Ele acha que fez coisas reprováveis no passado, mas que se mesmo assim ainda ama sua esposa é tudo que interessa no momento. Beatrice é muito dependente do marido, precisa saber que ele está por perto para se fortalecer. É corajosa e determinada, mesmo quando a doença a consome, ela não se deixa abater quando tem um propósito a seguir. Axl e Beatrice formam um casal meigo que inspira.
Muitas influências são trazidas para essa única estória, como citei temos o universo do Rei Arthur, temos a figura do Caronte que leva os mortos em seu barco pelo rio, além de toda a atmosfera repleta de crenças medievais de criaturas (bruxas, duendes, dragões e etc), crenças e costumes. Todos amarrados de forma inteligente e que fazem nexo, não soando como um amontoado de informações juntas.

A estória pode ser vista como uma jornada para a morte, e tudo que esta caminho quando trilhado conscientemente gera. Talvez dai também surja o desconforto. Mas também pode ser uma jornada de perdão, já que nos coloca que certas coisas já aconteceram a tanto tempo que não vale mais a pena estar triste ou chateado com o que se passou, que o perdão surge no dia a dia com o amor que se mantêm na rotina.

O Gigante Enterrado não é um obra de leitura fácil porque não fala com a consciência, não pretende trabalhar com estórias fáceis ou ser simples no entretenimento. É sim um livro a ser digerido com calma, com coração aberto e sem expectativas. Uma vez que você consiga compreender seus objetivos ele pode promover mais do que reflexões, ele pode trazer memórias, assim como dos personagens daquilo que você viveu e foi de fato importante. Ele pode ajudar a despertar para quem fomos, e quem queremos ser a partir do momento que estes conhecimentos vem à tona. É um convite ao divã através da sublimação.

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