Desde a minha infância eu ouço
meus pais contarem sobre o incêndio do edifício Joelma, para eles foi muito
impactante ver o prédio em chamas e pessoas se jogando das janelas. Mais velha,
a cerca de três anos no enterro do meu avô eu passei pelo túmulo das treze
almas no cemitério onde ele fica, que por sinal é bem perto da minha casa.
Assim esse assunto acabou sendo familiar a mim e fiquei muito curiosa com a
proposta do livro Vozes do Joelma, com contos dos autores Marcos DeBrito,
Marcus Barcelos, Rodrigo de Oliveira e Victor Bonini, publicado pela Faro
Editorial.
Antes de falar sobre cada conto
preciso contextualizar o acidente. O edifício Joelma foi construído em 1971 na
região central da cidade de São Paulo. E já em fevereiro de 1974 sofreu um
incêndio que deixou 187 mortos e mais de 300 feridos. Este é considerado o
terceiro pior incêndio em arranha-céu por vitimas fatais do mundo. Após todo o
incidente diversas lendas, boatos e estórias surgiram tanto quanto ao local
onde o prédio foi construído, quanto de barulhos e aparições no prédio na atualidade,
assim como vozes e aparições na região do túmulo das treze almas. São baseados
nesses relatos que os autores se inspiraram para criar seus contos.
O livro apresenta quatro contos
com apresentação dos mesmos pelo autor Tiago Toy em uma narração em primeira
pessoa com se fosse a morte. Gostei bastante de suas introduções que provocam o
leitor sobre sua própria natureza. O primeiro conto é do autor Marcos DeBrito,
um dos meus autores nacionais favoritos, sua estória se chama Os Mortos não Perdoam, nela ele relata o
crime do poço em uma versão mais assustadora. O crime do Poço foi um crime que
ocorreu em 1948, onde um químico matou sua mãe e suas duas irmãs e as escondeu
em um poço.
Minha maior expectativa era com o
conto deste autor, já que tinha gostado do que tinha lido anteriormente, mas
narrado em terceira pessoa seus escritos não me empolgaram. Não trata-se de uma
narrativa ruim, mas sim bastante branda e básica. Acostumada com uma escrita
mais visceral, sangrenta e criativa de DeBrito, achei o conto sem sal e sem
tanta criatividade. Ele pouco ousou além dos fatos reais do crime. E uma
curiosidade a residência onde aconteceu o crime é muito próxima ao edifício
Joelma, mas não é o mesmo terreno.
Seguimos com Nos Deixem Queimar do autor Rodrigo de Oliveira, que narra em
detalhes o momento do incêndio criando uma versão do porque o incêndio se
iniciou. Devo dizer que ele conseguiu me enganar bem durante todo a narrativa
em terceira pessoa, e não imaginava pela virada final. Assim ele me agradou
mesmo me fazendo sentir que estava para ser queimada a qualquer momento com os
personagens, já que ele não nos poupa da violência ou realidade que os
personagens vivenciam. A protagonista Samara passa por momentos terríveis e
vamos ao seu lado até o final!
O meu conto favorito foi o
terceiro, Os Treze, que se passa aqui
perto no cemitério São Pedro, onde as Treze Almas foram enterradas. A narrativa
em primeira pessoa ajuda muito na empatia com a experiência do protagonista,
Amilton, que após maus bocados na vida acaba por trabalhar no cemitério e teve
experiências sobrenaturais depois que recebeu os treze corpos em seu terreno.
Tanto do ponto de vista do personagem que teve uma vida sofrida muito próxima
da realidade quanto da trama dos espíritos em si, Marcus Barcelos conseguiu
despertar a curiosidade e o suspense onde a jornada terminaria.
O Homem na Escada, do autor
Victor Bonini, fecha o livro. Não é baseado em nada da realidade além de se
passar no prédio do incêndio, na verdade é uma versão alternativa onde o
edifício ao invés de ser reformado, é invadido e vira uma ocupação, onde um
espírito estranho parece ser responsável por crimes. Uma das ocupantes vê sua
filha sofrer na mão de seu namorado e toma atitudes estranhas.
Não gostei do conto, primeiro
porque o autor criou sua narrativa em primeira pessoa através de uma moradora
que hora falava de forma chula e muito coloquial, ora fala de forma normal, e a inconstância me incomodou. Segundo que a trama
não me despertou empatia, a protagonista não era uma pessoa interessante, as
cenas eram sujas e feias, e o autor não poupa detalhes nojentos o tempo todo.
Foi um alívio terminar, mas deixo claro que foi muito mais uma questão pessoal
do que de problemas com a escrita.
A edição do livro está bem
trabalhada com algumas imagens no começo
de cada conto. Acho que o livro poderia ter contado com um posfácio onde
poderiam ser explorados fatos reais como, por exemplo, como foi o crime do
poço, como se deu o incêndio e etc. Isso não só enriqueceria o livro, como
também seria uma memória da estória de São Paulo. Eu, por exemplo, na ausência
destes dados tive que pesquisar para conhecer quais eram as verdades e quais
partes eram da criação dos autores.
Vozes do Joelma tem uma proposta
muito interessante com seus contos e trás nomes de destaque do gênero. Além de
nos envolver com estórias sangrentas também preenche lacunas de porquês que
talvez nunca tenham sido respondidos. Além de trabalhar com a boa e velha
ficção também evoca a memória daqueles que se foram e ficaram na história da
cidade.
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