De vez em quando surgem
oportunidades de leituras inusitadas, livros que eu jamais compraria mas que
acabam em minhas mãos, e inevitavelmente deixam uma mensagem. O Filósofo e o
Lobo, do filósofo Mark Rowlands, publicado pela Objetiva está entre eles, na verdade
eu nem sequer sabia da sua existência, e mesmo quando soube o que eu esperava
deste livro não foi o que eu li. Surpresas que a vida trás.
Mark era um jovem professor
universitário quando se deparou com um anúncio de venda de filhotes de lobo, o
que era para ser uma visita descompromissada acabou com um filhote, Brenin, um
lobo destruidor de lares que transformou para sempre a vida deste filósofo, a
ponto de obras nascerem, e um novo homem surgir. A partir desta relação
Rowlands narra sua estória com inserções da filosofia de uma relação que de
normal não teve nada, mas que muito tem a ensinar!
Mark era um jovem comum que dava
aulas em uma universidade, participava do time de rugbi e de festas com muita
bebida e mulheres. Sua vida muda quando ele resolve comprar Brenin, este lobo
puro dono de uma personalidade única, isto porque ele não podia ficar sozinho
em casa, já que tinha uma tendência a destruir tudo (logo em seu primeiro dia
em casa ele comeu a tubulação do ar condicionado). Com isto ele estava em todos
os locais que Mark ia, como os jogos do time de rugbi, as aulas na universidade
e inúmeras corridas, corridas estas que os dois faziam em grande cumplicidade.
Ao mesmo tempo que o lobo se
tornava civilizado, o homem se tornava lobo. Isto porque com o tempo Mark se
isolou mais e mais do mundo, a ponto de sair da universidade e se isolar com
seus cachorros e Brenin, e só escrever. A relação que ele estabeleceu com o
lobo foi muito peculiar, e é narrada em detalhes em primeira pessoa pelo autor,
que inicialmente soa um pouco chato, mas a medida que consegue expor seus
sentimentos e detalhes da convivência de ambos nos cativa.
"As vezes é necessário
deixar que o lobo dentro de nós se manifeste, silenciar a tagarelice incessante
do primata." (pg. 17)
O livro é conduzido pelo que
Rowlands aprendeu na sua vida com Brenin, organizado em torno das lições que
aprendeu, enfocando os acontecimentos relacionados com os pensamentos que o
autor queria desenvolver. Inicialmente seu foco se dá muito na diferenciação de
lobos e de cachorros, ele explica em detalhes porque embora da mesma linhagem
eles sejam distintos em comportamento, e confesso que esta parte me cansou um
pouco. Mas uma vez que ele se fez claro, e ele focou na relação dos dois, e
trouxe conceitos da filosofia para ilustrar suas conclusões a narrativa ganha
graça, e profundidade. Sem que a filosofia canse, já que ele não se demora
muito nela.
O conceito que mais me despertou
atenção foi o de que os homens são seres temporais que vivem o presente lembrando
do passado que já não existe e projetando o futuro que ainda não aconteceu,
logo podemos dizer com segurança que raramente de fato vive o presente. O
passado que recordamos e o futuro que ainda não aconteceu molda de forma
decisiva o aqui e agora. Enquanto que o lobo é um ser do momento, ele não tem
passado ou expectativas do futuro, ele vive o momento presente intensamente, e
são momentos assim que são para os homens lembrados como momentos bons, mesmo
que quando vividos sejam experienciados como ruins.
Para se referir aos seres humanos
o autor usa o termo primata, e esta alma símia é gananciosa, pois o importante
é ter, já que valoriza em termos do que possui, já para o lobo o mais
importante não é possuir, ou quantas coisas ele tem, mas sim ser certo tipo de
lobo. Esse discurso do que importa é ser e não ter já é um pouco batido, mas
ele o aborda sobre outro enfoque quando evoca o ponto de vista do lobo.
Ao fim do livro é no mínimo
interessante perceber quanto o autor se deu conta de que suas lembranças quando
vivia apenas com o lobo e suas cachorras tinha um ângulo de matilha, ele
praticamente não se lembra dele como indivíduo, apenas como membro desta
matilha que o tocou profundamente. E como tudo que transforma o fez sofrer, mas
também crescer. Hoje ele é um homem bem sucedido do ângulo capitalista, não
bebe mais como antes, e tem uma família, mas carrega dentro de si o que
aprendeu, e foi o que compartilhou nas páginas de seu livro, que ora soava como
um livro de filosofia, ora como um livro de memórias de um bêbado andarilho.
"Às vezes tenho uma sensação
das mais estranhas: eu era um lobo, e agora sou apenas um labrador bobo. Brenin
representa para mim uma parte da minha vida que já não existe. É uma sensação
ambígua. Fico triste por já não ser o lobo que era. E fico feliz por já não ser
o lobo que fui. O mais importante porém é que fui um lobo." (pg. 208)
O filósofo e o Lobo é um relato
de uma estória de amor verdadeiro entre um lobo e um homem, onde a troca era
genuína e desinteressada, são lições de como viver uma vida mais verdadeira e
consciente. É inspirador para transformar, e nos trazer para o presente, não no
passado, nem o futuro, o simples presente sem preocupações, apenas com a brisa
do dia, um bom prato de comida ou uma corrida sem hora para voltar!
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