Meu portão de entrada para Neil
Gaiman foi através de seus contos em Coisas Frágeis, na época gostei muito de
alguns deles e outros não me surpreenderam, desde então estava ansiosa para
saber o que eu iria achar de seus romances. O Oceano no Fim do Caminho,
publicado pela Intrínseca foi o que acabou parando nas minhas mãos primeiro, e
despertou mais a minha vontade de continuar lendo o autor.
No dia de um velório um homem por
volta de seus quarenta anos acaba por voltar a sua casa de infância, e também a
casa que fica no fim de sua rua. Essa casa mais do que lembrar de alguns
acontecimentos de quando era criança, o faz lembrar de uma grande aventura que
viveu com sua vizinha, Lettie Hempstock, depois da estranha morte de um
inquilino que roubou o carro de seu pai e cometeu suicídio. Fatos que poderiam
ser apenas estranhos na verdade estão a ligados a um mundo que o menino de sete
anos passa a conhecer e temer.
Eu poderia fazer um resumo do que
é essa estória e sem sombras de dúvida não seria capaz de contar todas as
nuances que o autor foi capaz de colocar. Provavelmente soaria ou como uma
estorinha boba ou como alguma trama maluca sem pé nem cabeça, mas acredite
quando digo que Gaiman conseguiu transitar muito bem entre a realidade e um
mundo fantástico, e nos brindar com uma trama instigante e mágica.
A leitura pode ter diversas
camadas, desde aquilo que é explicitamente dito, passando por questões
criticadas ou trabalhadas até aquelas em que podemos imaginar ou deduzir, mas
não são de fato ditas. Assim fica claro que a família Hempstock veio de algum
outro universo, segue outras regras e tem alguns poderes, mas não fica claro
que tipo de criaturas elas são ou quais são todos os seus poderes, elas dão
dicas e algumas teorias podem ser feitas, mas o autor deixa aberto a
interpretações sobre a verdade.
Ao mesmo tempo em que trabalha a
infância do menino que é retraído, focado na leitura de livros e com
dificuldades na interação social, ele trabalha questões mais amplas sobre a
formação do universo e comportamento social. A narrativa não segue um lugar
comum, e pode fazer com que o leitor as vezes se sinta perdido, já que não
trabalha com respostas prontas, e usa a narração em primeira pessoa do menino
que limita um pouco a visão de conjunto. Mas alguns dos fatos que um adulto ao
ler consegue compreender com facilidade sob o olhar da criança acabam sendo
interpretados de forma errada ou incompreendidos, a trama segue por esse viés
inocente e ignorante sobre as malícias do mundo.
A questão quanto a lembrança e o que resgatar do passado também é bastante trabalhada, especialmente quando o narrador volta de sua infância e termina o livro com um diálogo com uma das Sra. Hempstock, nesta cena ele diz não se lembrar de alguns fatos, e ela termina sua fala com o mesmo dizendo que era melhor assim. Foi um desfecho poético, e penso que esquecer certos acontecimentos na vida nos permite continuar, se simplesmente nos lembrássemos de tudo seria insuportável carregar tanta bagagem no consciente.
E a ideia de quem não importa
quanto adultos sejamos, nunca de fato somos adultos por dentro é uma verdade
pouco explorada na literatura. Já que nosso protagonista cresceu, casou-se,
teve filhos, e voltou ao local de infância conseguindo perceber que o garotinho
que foi ainda está dentro dele com alguns dos mesmos medos, inseguranças e
perguntas que nunca foi capaz de responder.
Achei muito interessante a
concepção de um lago nesta casa vizinha, que na verdade é um oceano. Como se as
coisas não fossem presas nos conceitos delas mesmas, mas capazes de ir além do
esperado, e agir de forma peculiar. Além ele conter nele a origem do mundo.
O Oceano no fim do Caminho é um
livro que termina a leitura em suas páginas finais, mas que ressoa muito tempo
dentro da mente, promovendo interpretações e questionamentos que não se
encerram em suas páginas. Pode ser revisitado, e provavelmente ganhará
interpretações diferentes a cada leitura, já que somos como oceano, nunca os
mesmos, sempre em movimento!
Avaliação
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