A primeira leitura do ano é
teoricamente como todas as demais, é a sequência de outra terminada que pode
ter sido boa ou ruim, e é seguida de uma nova com igual potencial, mas de
alguma forma ela tem em si uma magia, de ser a primeira, de começar uma nova
lista, coisas que apenas um ano novo pode explicar. Por conta disto os
primeiros livros costumam ser escolhidos a dedo, esse ano resolvi começar com a
magia japonesa! Após o anoitecer, do autor Haruki Murakami, do selo Alfaguara,
pela Companhia das Letras foi o escolhido.
A noite cai na cidade de Tóquio,
uma série de encontros acontecem sem que ninguém se dê conta. Mari, uma jovem
estudante conhece Takahashi em um restaurante, ela não se dá conta que a partir
de então sua vida nunca mais será a mesma já que as pessoas que ela conhece ao
longo da noite a fazem ver a vida sob outro ângulo. De um encontro causal,
passando por socorrer um prostituta chinesa até o estranho sono de sua irmã,
Mari vai ter uma madrugada transformadora!
Como descrever de forma realista
como é a narrativa em terceira pessoa de Murakami? Fugindo das narrativas
comuns ele tem um olhar descritivo ao mesmo tempo que investigativo e dedutivo.
Logo quando nos apresenta as cenas e os personagens explica o que vê ao mesmo
tempo que deduz o que não se vê ou não é dito. Assim seu estilo é muito
particular e foi de encontro ao que a estória pedia, criando uma atmosfera
apropriada ao ritmo da estória que se passa toda em uma única madrugada.
Em alguns momentos o leitor pode
achar que se encontra na leitura de um roteiro de filme, já que ele trabalha
com ângulos, ele mesmo pede que imaginemos cenas e enfocamentos de câmeras,
entretanto esse estilo não aparece em todo o livro, é especialmente usado nas
cenas da irmã de Mari, como se a observássemos em um reality show, o narrador
não conhece a verdade sobre o que acontece, a investiga com o leitor.
Mari a protagonista da trama tem
dezenove anos e estuda chinês na universidade, ela é irmã de Eri, uma modelo,
mas a relação das duas é distante, e provoca em Mari muitos questionamentos já
que a mesma se sente a patinho feio que não desperta interesse nas pessoas que
a cercam e inclusive nos pais. Por ter estes pensamentos ela é muito fechada e
seria, com muitas questões a cerca de si mesma para resolver.
Quando Mari é abordada por
Takahashi sua guarda está alta, ela não dá muita atenção a ele, especialmente
porque ele diz a conhecer por conta de sua irmã. Mas aos poucos a relação dos
dois vai se construindo, e de forma muito única. Ao longo da noite eles tem
mais de um encontro e realizam atividades variadas, com conversas também
filosóficas, a cerca de suas famílias e suas escolhas sobre o futuro.
Takahashi é muito bem humorado e
otimista, mesmo que a vida não tenha sido muito gentil com ele. Gosta de
conversar e não se abala com as coisas ruins que lhe acontecem, seu modo de ver
e encarar a vida acaba por tocar Mari. E é a partir dele que ela acaba por
conhece Kaoru que pede ajuda a menina para ajudar uma chinesa espancada no
hotel que ela trabalha. Uma sucessão de fatos acontecem a partir dai, nada
comuns, mas ao mesmo tempo nada absurdas.
O realismo fantástico da trama
fica por conta dos capítulos que são intercalados sobre sua irmã Eri que se
encontra na cama, ela está dormindo sem acordar já fazem mais de dois meses. E
nestes capítulos algo acontece com a mesma que quebra as regras da realidade.
Estes trechos talvez soem estranhos porque fogem a realidade apresentada com
Mari, mas de alguma forma fazem sentido quando pensamos em tudo que pode
acontecer em uma madrugada, quando todos dormem, e quem fica acordado segue regras
que morrem quando o sol nasce.
O autor ainda acompanha o homem
que agrediu a moça chinesa no hotel, infelizmente falta a explicação de porque
ele tomou tal atitude, mas embora o personagem seja repugnante, é sim uma
personalidade que facilmente pode ser encontrada. O típico homem machista que
burla regras e é descontente com a vida.
Cada começo de capítulo tem um
desenho de relógio que nos informa o horário em que estamos, assim podemos
acompanhar com precisão a passagem do tempo. Uma característica forte do autor
é a música, Takahashi é músico, trompetista, e ele cita músicas e músicos, mas
mesmo quando ele não está em cena outras músicas bandas são citadas, tantos que
chegaram a fazer uma playlist com todas no youtube.
Após o anoitecer pode ser uma estória
de realismo fantástico na noite japonesa, ou ganhar camadas de sentidos
exploradas por seus personagens. É a jornada de uma jovem dentro de si mesma
com a ajuda de seus encontros noturnos, é uma narrativa que explora a vida como
ela é na noite e na vida de seus personagens sem glamour ou vida fácil. É um
mergulho no escuro onde tudo pode acontecer, mas que quando o sol ilumina
desaparece!
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