Livros são
para mim um momento de escape do meu dia. Quando eu estou no meu dia a dia
normal eu consigo ler quase todo gênero de literatura sem me afetar, mas quando
o mundo está de ponta cabeça como nesse momento da nossa história, eu estou
procurando por leituras mais leves, mas desta vez eu me vi com um livro que não
me proporcionou um momento de tranquilidade, ao contrário. Em Ordem Vermelha,
Filhos da Degradação, do autor Felipe Castilho, publicado pela editora
Intrínseca, a leitura foi tudo menos tranquila, não pela sua qualidade, mas
pela sua temática.
Untherak é um
lugar dominado por uma deusa de seis faces, onde o vermelho é uma cor proibida
e todos os moradores servem a deusa de sol a sol. Aelian é um órfão humano que
passa seus dias no Poleiro sonhando com o dia que terá sua semi-liberdade, o
que ele não esperava é que seu sonho fosse lhe custar tão caro. Após conhecer a
Aparição ele acaba junto de companheiros inesperados que junto a ele irão
começar uma rebelião.
O universo criado por Castilho é
bastante peculiar, sem referências muito explícitas de suas origens. O autor
diz nos agradecimentos sobre referências a seus livros anteriores e o folclore
brasileiro, mas ao contrário do que é comum acontecer aqui é tudo muito
original, e essas alusões são sutis. É tão diferenciado que chega a muitas
vezes a ser difícil de compreender certos aspectos, como a moeda utilizada.
Aelian é um jovem que perdeu os
pais cedo e se viu sozinho trabalhando de forma dura no Poleiro, local onde
falcões enviam encomendas. Quando não está trabalhando ele fica em uma pequena
cela. Sempre que pode ele foge pelos telhados, então quando vê a oportunidade
de mudar o sistema do local ele agarra a oportunidade. É destemido e leal aos
novos colegas.
Ziggy, é um sinfo, uma criatura
assexuada com uma sensibilidade diferenciada com uma forte ligação com a
natureza. É o integrante do grupo menos letal e mais leve, com uma capacidade de
trazer luz nos momentos mais escuros. Harun, é um anão que é um Autoridade
(trabalha para deusa), tem uma índole duvidosa já que seu objetivo não é um bem
maior, mas o resgate da herança cultural de sua família. Dono de grande força
física, é também dono de um humor explosivo.
Raazi, uma kaorsh, tem a
capacidade de mudar a cor da própria pele. É uma grande guerreira e luta desde
as primeiras páginas pela liberdade de todos. Ela sabe de alguns segredos e
mentiras da deusa e planeja que eles venham a tona abalando a lealdade do povo.
Venoma é uma mestiça de kaorsh e humano, é letal e desconfiada. Ela junto da
aparição fazem muitos estragos pelo Miolo antes de se juntar aos demais.
Todos os personagens tem uma
personalidade muito bem delineada e cada raça têm suas características
exploradas. Infelizmente por todos eles estarem em uma situação limite acabam tendo
suas culturas e costumes perdidos ou abafados, o que é uma pena, pois limita a
graça de todas as raças.
O livro não tem problemas na sua
estrutura, narra de forma bastante precisa como uma revolução nasce e se propaga, e que não necessariamente acaba como o esperado. E como a narrativa
começa nesse lugar ruim não temos um momento sequer de respiro ou prazer, é
sofrimento em quase todas as páginas. Isso fez com que a leitura do livro fosse
um pouco pesada neste momento de quarentena. Mas isso não é um ônus do livro, é
apenas um lembrete que se você espera por leveza ou magia que uma fantasia pode
trazer este não é um livro assim. O autor não nos poupa de morte e ações que
podem gerar consequências inesperadas.
E se me permitem um paralelo com
nosso mundo atual é o da falta de conhecimento. Em Untherak os habitantes são
manipulados porque a verdade vos foge, e nós em nosso país e mundo também nos
vemos dia a dia presos ao que nos contam sobre o que acontece, muitas vezes sem
saber qual é a verdade de fato. Mas uma coisa eu vos digo, a verdade liberta, não
só para pensarmos livremente, mas para que o medo também não seja mais o guia
de nossas ações.
Filhos da Degradação é uma
fantasia de peso com forte dose de ação, reviravoltas e sangue. Dias ruins são
narrados com intensidade, mas sem que para isso a esperança não nasça em cada
ato voluntário. Muitas pontas ficaram soltas e creio que uma continuação é
esperada, mas não sei se de fato será feita.
Avaliação
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