"Alguém programou minhas
esperanças no 'modo negativo', em vez de programá-las no 'modo positivo'. Eu
receio o que acontecerá no minuto seguinte. Me preocupo facilmente, tento
colocar cada coisa em seu lugar para evitar imprevistos, odeio novidades ou situações
que fujam do meu controle. Tenho medo de tudo, especialmente do desconhecido.
Sou ansiosa e sofro antecipadamente. Me contrate como operária para construir
um prédio e eu estarei erguendo o segundo andar antes de ter concluído o
primeiro" (Pág. 9)
A sociedade contemporânea é um
palco pronto para alimentar o vazio inerente ao ser humano, vivemos em um lugar
onde a performance é mais importante do que o conteúdo, e ser diferente do que
é considerado normal é prato cheio para a ignorância. Com um cenário assim sem
perspectivas uma síndrome nasceu, cresceu e tornou-se uma das possíveis
respostas a esse modo doente que temos: a síndrome de pânico.
A síndrome do pânico é um
transtorno de ansiedade onde uma angústia nasce e se funde de tal forma que o
indivíduo não vê saída para seus sintomas: dor no peito, palpitações,
sentimentos de irrealidade (despersonalização ou desrealização), medo de
morrer, entre outros que variam em grau e quantidade para cada um. Em outra
palavras um conteúdo que foi recalcado (mandado para o inconsciente) volta a
consciência mas na forma de um sintoma: uma angústia que gera estes sintomas
secundários. É uma resposta que o indivíduo encontra para se defender do
ambiente que o cerca dentro do mundo de possibilidades internas.
É dentro deste universo que o
livro A Garota que tinha Medo, do autor Breno Melo, publicado pela editora
Schoba se pavimenta. Marina é uma adolescente paraguaia que está nos momentos
finais de estudo para o vestibular. Tem uma vida ligeiramente normal dentro do
que sua mãe exigente permite, e ela não vê a hora de entrar na universidade e
poder respirar. Até que um dia sem aviso ela tem sua primeira crise e não
compreende o que está acontecendo.
"O que estava havendo? Meu
coração batia cada vez rapidamente e minha respiração acelerava. Minhas mãos e
pés passaram a formigar e então experimentei a pior sensação da minha vida! Meu
peito agora inflava, senti dificuldade em respirar e minha visão escureceu.
Acreditei que morreria e tive medo. Um medo inexplicável da morte enquanto
esperava desmaiar a qualquer momento. Tinha certeza que morreria assim que
fechasse os olhos" (Pág.37)
Narrado em primeira pessoa
através de Marina de forma simples e acessível, a narrativa tem seus altos e
baixos: altos porque caracteriza em detalhes o processo de descoberta e tratamento dela,
além de detalhar as reações da família, amigos e namorado diante das crises. Ainda
conta com os pensamentos de Marina que aos poucos explicam o porque de ela
sofrer da síndrome. Logo do ponto de vista psicológico a obra é excelente tanto
para o conhecimento do quadro clínico quanto como obra de ficção. Entretanto
quando Marina se desembesta a falar de religião a coisa muda de figura.
Católica de carteirinha a
religião tem papel importante na vida da personagem, e é aceitável que ela
comente seus pensamentos a cerca de suas leituras bíblicas e suas relações com
a Igreja que sentimentos de culpa e consequentemente ansiedade, mas quando o
autor se propõe a contar detalhes da história da Igreja (especialmente
defendendo-a) e da Bíblia ele perde a mão, já que a narrativa se quebra, perde
o ritmo, e foge completamente do tema, voltando depois como se o assunto
estivesse coerente, o que nem sempre foi possível. Isso também aconteceu com
menos frequência com outros conhecimentos que o autor parecer querer mostrar
possuir, como a história do Paraguai.
A obra se divide em sete partes,
desde a primeira crise, o período de negação do problema, a descoberta da
síndrome, passando pelo tratamento, recaída e alta de Marina. O tratamento
psicológico não aparece de maneira detalhada mas é de cunho
cognitivo-comportamental, orientação indicada em casos que requerem mais
urgência de resultados. Se Marina enfrentasse uma boa análise freudiana ou
lacaniana com certeza encontraria as respostas que tanto busca em sua vida.
Os personagens que circulam em sua
vida são seu namorado Julio, garotinho estúpido e preconceituoso que não merece
nada além de uns bons tapas rs! Os pais de Marina que tardam a entender que a
filha precisa de ajuda, assim como também resistem em ajudá-la no tratamento. Sua
amiga de infância Péqui é uma fofa e a única a ficar o tempo todo ao seu lado.
As colegas de faculdade, Joana e Maitê que mais a atrapalham do que ajudam, mas
de alguma forma são presenças constantes.
A Menina que tinha medo tem como
tema mais importante e abordado o medo, e confesso que tive uma identificação
direta, pois ele também é paralisante para mim, não a ponto de atrapalhar meu
dia a dia, mas sim de tomar decisões maiores que de fato mudam minha vida.
Acredito que de alguma maneira todo mundo vai se identificar em alguma medida
com o medo de Marina, e aprender com ela que não podemos ter medo de viver,
pois a vida está ai para ser vivida em todas as suas nuances boas e ruins!
Então se você quer conhecer mais
a respeito da síndrome, rever seus medos junto com Marina ou apenas ter um bom
momento de leitura indico A Menina que tinha Medo. Mas se você é daqueles que
tem medo de se arriscar na leitura, sair da zona de conforto e do mundo da
ficção de fantasia a leitura deste livro passa a ser obrigatória para soltar
todos os seus fantasmas!
A editora Schoba está de parabéns
pela diagramação, capa e detalhes do livro, e agradeço em nome do House of
Chick pelo exemplar e pela oportunidade de ler uma obra tão diferenciada do que
está no mercado atual.
Hummm, religião e história do Paraguai? Estou com o livro aqui para ler e será uma das minhas próximas leituras...ainda bem que li sua resenha antes, agora já estou preparada para os pontos 'negativos' que você citou.
ResponderExcluirBeijo, Van - Blog do Balaio
balaiodelivros.blogspot.com.br
Oi Bruna!
ResponderExcluirNossa, não conhecia o livro nem o autor, mas adorei a resenha e claro, vou colocá-lo na minha listinha de desejados. Não sou uma pessoa medrosa, mas já passei por situações que me deram muito medo, a ponto de me prender no chão e não conseguir me mover.... nunca procurei ajuda, porque acontece raramente, mas vale a pena ler sobre o assunto neh? rsrsrsrrss
bjo bjo^^
Oieee!!!
ResponderExcluirAdorei a resenha e a historia me chamou muito a atenção!!
Gosto de livros que além de entreterem também ensinam e esse fala de uma doença que não conheço direito e me pareceu muito interessante!!
Nada como uma boa história com um assunto importante para aprendermos sem ao menos nos dar conta!!
Bjus
Oi Bru! Faz tempo que não leio os seus posts mas mesmo que eu não me interesse pelo livro ou pelo assunto eles são bons de ler, você tem uma escrita gostosa. Parabéns por mais um post, não entendo de psicologia mas há um ponto importante que não sei se está no livro, mas esse estado em que a Marina se encontra não é por acaso, afinal ela é mulher... o livro seria completamente diferente se o problema fosse abordado em um garoto. ;)
ResponderExcluirBeijo!
Olá, Bruna! Adorei a resenha! Riquíssima em detalhes e de uma sensibilidade sem igual. Achei muito interessante os pontos que levantou sobre a psicologia, sugerindo, inclusive, outras abordagens para tratamento. Espero contar com você em outras leituras. Grande abraço e excelente 2014!
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